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“Ficou com a melhor parte, dependendo da vítima”, diz promotor sobre estupro coletivo

  • Bruna Rangel
  • 5 de jul. de 2017
  • 4 min de leitura

No dia 21 de junho aconteceu a prova oral do 34º concurso para ingresso no Ministério Público do Rio de Janeiro, um dos órgãos de maior prestígio dentro das carreiras jurídicas. Durante o exame, um dos membros da banca, o promotor Alexandre Joppert, recorreu ao exemplo de um hipotético estupro coletivo.


Com a mais informal naturalidade, ele afirmou que dentre as atribuições de cada sujeito para a prática de um crime de estupro, aquele encarregado de, efetivamente, estuprar a vítima “ficou com a melhor parte, dependendo da vítima”.


"Mediante uma violência física e grave ameaça também. Um segura, o outro aponta a arma, o outro guarnece à porta da casa, o outro mantém a condição dela — ficou com a melhor parte, dependendo da vítima —, o outro mantém a condição carnal. O outro fica com o carro ligado para assegurar a fuga e eles vão se alternando...", disse.


As provas orais puderam ser gravadas pelos participantes ou pelo público presente. Assim, diversos portais de notícia tiveram acesso ao áudio que comprova a fala do promotor.



Em nota, o promotor defendeu-se das críticas recebidas. Ele disse que ao afirmar “ter ficado com a melhor parte", estava se referindo à “opinião hipotética do próprio praticante daquele odioso crime contra a dignidade sexual":


"Da mesma forma que ‘para o corrupto’ a ‘melhor parte ou exaurimento’ do crime de corrupção é o ‘recebimento da propina’; da mesma forma que, ‘na opinião de um estelionatário’, a ‘melhor parte ou objetivo’ do seu crime é a ‘obtenção da indevida vantagem’. Na mente de praticantes dessa repugnante casta de crimes sexuais, a satisfação coercitiva da lascívia é o desiderato odiosamente perseguido.

(...)

No que tange a parte final da frase causadora de polêmica, consubstanciada na ressalva: melhor parte "a depender da vítima", estava desejando, implicitamente, fazer referência a eventual capacidade aumentada de resistência física da imaginária ofendida, como, por exemplo, a hipótese de a mesma ser graduada lutadora de artes marciais”.


Aham.


Não bastasse isso, segundo o Globo, em novo áudio, o promotor afirma que se um estuprador “ejacula cinco vezes, é um herói”.


Caso será investigado, mas será o promotor punido?


Procurado pela BBC, o “Ministério Público do Rio informou que o procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira, instaurou procedimento para apurar a conduta de Joppert”. A pedido do próprio promotor, ele foi “afastado cautelarmente da banca examinadora até a conclusão da apuração dos fatos".


No entanto, apesar dessas medidas terem sido tomadas, não é garantido que o promotor seja de fato demitido. E com isso não quero dizer que teremos que aguardar ainda o desfecho de um processo disciplinar, com todas as garantias legais que, obviamente, devem ser seguidas para a destituição de um promotor de seu cargo. Digo que, dado o machismo institucional, não temos como prever que o Ministério Público tomará a decisão acertada no caso.


O machismo institucional é aquele que permeia as instituições, sejam públicas ou privadas. É o tipo de machismo que garante a blindagem de certos indivíduos, principalmente os que ocupam os melhores cargos, de acusações como assédio, abuso sexual, e outros assuntos cercados de tabus e preconceitos.


O próprio Ministério Público já teve que lidar com acusações graves contra seus promotores antes. Um dos casos de maior repercussão midiática ocorreu em março de 2016, quando o procurador Douglas Kirchner foi acusado de consentir e participar de torturas praticadas contra a sua esposa, Tamires Souza Alexandre.



O promotor era membro uma igreja evangélica chamada Hadar, em Porto Velho (RO). Conforme noticiado pelo Estadão:


Em um dos casos, Kirchner teria assistido a uma surra de cipó que a pastora da igreja teria dado em Tamires. Também havia a suspeita de que ele deu usou uma cinta para bater na mulher. Tamires teria sido mantida numa espécie de cárcere privado, no alojamento da igreja, com restrições para se alimentar e até para tomar banho


Na época, a maioria dos integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal entendeu que não haviam motivos para exonerar o promotor. Além de não entenderem aquelas atitudes como indignas do cargo ministerial, os Conselheiros transformaram o procurador na verdadeira vítima do ocorrido.


Um dos Conselheiros, Carlos Frederico, afirmou que Douglas havia sofrido "lavagem cerebral" e outro, Augusto Aras, entendeu que não via nada no caso que “malfira a conduta profissional” do procurador.


Somente em abril Douglas foi finalmente demitido pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Mas se engana quem acha que isso se deu pelo fato de que o órgão não admite que seus integrantes tenham atitudes que desrespeitam mulheres. A penalidade foi aplicada pois os atos praticados pelo procurador, “segundo o CNMP, poderiam comprometer gravemente a dignidade do Ministério Público da União”, conforme noticiado pelo o ConJur.


O que estava sendo discutido, então, era se o promotor ofendeu a dignidade do Ministério Público, não a de Tamires.


Será que, da mesma forma, o MP entenderá que Alexandre Joppert é uma vítima? Que ele foi mal compreendido? Que se desculpou, então, estaria redimido? Que sua atitude versou sobre um caso hipotético e, assim, as reações a sua fala foram exageradas? Não duvido.


Vale lembrar que um promotor ocupa uma função pública, e, nas suas atuações funcionais suas ações não representam ele individualmente, mas todo o Ministério Público. O próprio promotor afirma que, na verdade, as frases foram “tiradas de contexto”. Para ele existe, assim, um contexto no qual essas declarações são admissíveis. Não são. E, principalmente, não são admissíveis dentro do contexto social brasileiro, no qual a cada 11 minutos uma pessoa é estuprada.


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