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ADPF 442, Audiência Pública, STF... que?

Vamos explicar para quem não entendeu nada do que está rolando

Talvez você tenha ficado sabendo que vai rolar uma Audiência Pública no STF. Mas ainda não entendeu direito o que é uma audiência pública, como funciona, o que vai acontecer e que raios é uma ADPF?

Então vamos por partes.

O que é uma ADPF?

ADPF é uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, com objetivo de evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público. A ADPF é cabível, ainda, quando “for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”.

A a ADPF é pode ser impetrada no Supremo Tribunal Federal por um rol restrito entes legitimados para tanto, elencados na própria Constituição. Entre eles, partidos políticos com representação no Congresso Nacional. É o caso no PSOL, que impetrou a ADPF 442.

Além disso, uma ADPF somente pode ser impetrada se for demonstrado que não há outro meio eficaz de sanar a violação alegada. A escolha para impetração de uma ADPF, neste caso, se dá também pelo fato de o Código Penal, que criminaliza o aborto, ser de 1940 e nossa Constituição foi promulgada em 1988. Ou seja, não há outra forma de se questionar de forma direta a constitucionalidade de uma lei anterior à Constituição que não seja pela ADPF.

Mas isso não deveria ser decidido no Congresso?

O Congresso pode discutir a matéria, é claro, como está sendo feito na Argentina no momento. Em muitos países a legalização do aborto se deu pelo debate político que resultou em uma legislação garantindo esse direito às mulheres. No entanto, em outros países essa discussão foi eminentemente jurídica e a descriminalização se deu por decisões de Cortes Constitucionais. É o caso dos Estados Unidos e Alemanha, por exemplo.

É a opinião de uma ala do conservadorismo brasileiro de que a análise dessa questão pelo Supremo Tribunal Federal é uma manobra do PSOL e que o Congresso é o único local onde a discussão sobre a descriminalização do aborto seria permitida. No entanto, isso não é verdade.

A nossa Constituição afirma que cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar as Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental. No caso da ADPF 442, o que está sendo alegado é que os artigos 124 e 126 do Código Penal – aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento e aborto provado por terceiro - não estão em consonância com a nossa Constituição, violando preceitos fundamentais desta. Dessa forma, demonstrado o cabimento da ação, o STF deve julgá-la.

Quais são os preceitos fundamentais violados pela criminalização do aborto?

A ADPF 442 afirma que a criminalização do aborto até a 12ª semana desrespeita preceitos constitucionais fundamentais, tais como: dignidade da pessoa humana, da cidadania, bem como os direitos fundamentais da inviolabilidade da vida, à liberdade, à igualdade, à proibição de tortura e tratamento desumano ou degradante, à saúde e ao planejamento familiar.

Em que medida a criminalização viola cada um desses preceitos?

Vamos analisar cada um resumidamente:

Proibição a tortura ou a tratamento desumano ou degradante: Segundo a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes[1] do qual o Brasil é signatário, “também constitui tortura a negação de serviços de saúde reprodutiva, como o aborto, em que profissionais de autoridade sobre mulheres impõe-lhes sofrimento em razão de discriminação, na medida em que a decisão por não seguir uma gestação contraria a expectativa de maternidade compulsória associada às mulheres”[2].

Violação ao direito à saúde, à integridade física e psicológica das mulheres: A criminalização do aborto também violada o direito à saúde e a inviolabilidade do direito à vida e à segurança “por relegar mulheres à clandestinidade de procedimentos ilegais e inseguros”[3].

Direito ao planejamento familiar e liberdade: Esse direito é “infringido quando uma mulher é impedida de tomar uma decisão reprodutiva relevante e crucial”. Por impedir o controle da mulher sobre as próprias decisões relativas à sua sexualidade, a criminalização viola também o direito à liberdade.

Direitos sexuais e reprodutivos: Apesar de não estarem expressamente previsto na nossa Constituição, esse é um direito decorrente dos direitos à liberdade e igualdade “e estão descritos em compromissos internacionais dos quais o Brasil é signatário”[4]. Esse direito é violado uma vez que a criminalização não permite que as mulheres vivam a sexualidade livre de coerção, discriminação ou violência, decisão livre e responsavelmente sobre o número e espaçamento de seus filhos, gozem do mais alto padrão de saúde sexual e reprodutiva[5].

Princípio da igualdade de gênero: Este princípio decorre do “direito fundamental à igualdade e do objetivo fundamental da República de não discriminação baseada em sexo [...], uma vez que impõe às mulheres condições mais gravosas, inclusive perigosas à sua vida e saúde, para a tomada de decisões reprodutivas, desproporcionais em comparação com as condições para a tomada das mesmas decisões por parte dos homens, que não são submetidos à criminalização e a consequências da coerção penal nas condições de exercício de seus direitos a uma vida digna e cidadã”.

O que é uma audiência pública?

Segundo o Regimento Interno do STF, o Presidente ou o Ministro Relator de uma ação pode ““convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral e de interesse público relevante” debatidas no Tribunal.

No caso da ADPF 442, a audiência pública foi convocada pela Relatora do caso, a Ministra Rosa Weber e ocorrerá nos dias 3 e 6 de agosto. "O propósito da audiência pública é incrementar, de forma dialógica e aberta aos atores externos da sociedade, o processo de coleta de informações técnicas, e das variadas abordagens que o problema constitucional pode implicar, bem como a formação ampla do contexto argumentativo do processo, como método efetivo de discussão e de construção da resposta jurisdicional", disse a relatora.

A Ministra abriu um prazo para que interessados pudessem se inscrever para participar da audiência. Foram 180 pedidos de habilitação de expositor na audiência.

Pela impossibilidade de admitir todos os pedidos em razão do volume de inscritos, a Ministra selecionou 40 participantes, entre especialistas, instituições e organizações. Os critérios para a seleção foram “a representatividade técnica na área, atuação ou expertise especificamente na matéria e garantia de pluralidade e paridade da composição da audiência”.

Portanto, não será durante essa audiência que o STF julgará a ADPF 442! O que ocorrerá são exposições de especialistas, instituições e representantes de organizações da sociedade civil, que irão dar sua opinião sobre a matéria.

Você pode conferir aqui a programação da audiência, com os horários e expositores de cada dia, e poderá acompanhar a audiência pela TV Justiça e pela Rádio Justiça.

Nos dias 3 a 6 de agosto, ocorrerá também o Festival Pela Vida das Mulheres, em Brasília. Você pode saber mais sobre o evento aqui.

[1] BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos. Decreto no 40, de 15 de fevereiro de 1991. Promulga a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Diário Oficial [da União], Brasília, DF, 18 fev. 1991. Disponível em: .

[2] ADPF 442. Pg. 9.

[3] ADPF 442. Pg. 10

[4] ADPF 442. Pg 10.

[5] ADPF 442. Pg. 12.

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