Primeira Turma do STF defende descriminalização do aborto
- Bruna Leão
- 29 de nov. de 2016
- 2 min de leitura
É uma decisão histórica e sinaliza um posicionamento mais progressista do que temos acompanhado recentemente da Corte. No entanto, não é uma decisão de Plenário e não tem efeito vinculante.

No julgamento do habeas corpus 124.306, os Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin e a Ministra Rosa Weber votaram pela possibilidade de interrupção da gravidez até o primeiro trimestre.
O HC trata do caso de profissionais da saúde que haviam sido presos em flagrante por manterem uma clínica de aborto. A decisão da Turma foi no sentido de deferimento da ordem de ofício, afastando a prisão preventiva. O julgamento estende-se apenas a esse caso específico, no entanto sinaliza um posicionamento da Corte que não pode passar despercebido.
O Ministro Luis Roberto Barroso, relator, enfatizou no voto condutor do acórdão a "inconstitucionalidade da criminalização da interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre", conforme decisões jurisprudenciais e legislações de diversos países de tradição democrática que, seguindo a melhor interpretação jurídica, já legalizaram a prática do aborto.
"O bem jurídico protegido – vida potencial do feto – é evidentemente relevante. Porém, a criminalização do aborto antes de concluído o primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade", disse.
De acordo com o relator, a criminalização do aborto viola a autonomia da mulher, "que corresponde ao núcleo essencial da liberdade individual, protegida pelo princípio da dignidade humana. (...) A autonomia expressa a autodeterminação das pessoas, isto é, o direito de fazerem suas escolhas existenciais básicas e de tomarem as próprias decisões morais a propósito do rumo de sua vida"; o direito à integridade física e psíquica, que "protege os indivíduos contra interferências indevidas e lesões aos seus corpos e mentes, relacionando-se, ainda, ao direito à saúde e à segurança"; os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, "que incluem o direito de toda mulher de decidir sobre se e quando deseja ter filhos, sem discriminação, coerção e violência, bem como de obter o maior grau possível de saúde sexual e reprodutiva"; a igualdade de gênero, que "veda a hierarquização dos indivíduos e as desequiparações infundadas, impõe a neutralização das injustiças históricas, econômicas e sociais, bem como o respeito à diferença".
Ademais, a legislação criminalizadora do aborto é inconstitucional pois viola o princípio da proporcionalidade:
"Na prática, portanto, a criminalização do aborto é ineficaz para proteger o direito à vida do feto. Do ponto de vista penal, ela constitui apenas uma reprovação “simbólica” da conduta . Mas, do ponto de vista médico, como assinalado, há um efeito perverso sobre as mulheres pobres, privadas de assistência. Deixe-se bem claro: a reprovação moral do aborto por grupos religiosos ou por quem quer que seja é perfeitamente legítima. Todos têm o direito de se expressar e de defender dogmas, valores e convicções. O que refoge à razão pública é a possibilidade de um dos lados, em um tema eticamente controvertido, criminalizar a posição do outro".
No meio de tantos retrocessos com relação a conquista de direitos reprodutivos, essa decisão da 1a Turma do STF foi um sopro de esperança. Que um dia possamos ver a Suprema Corte decidir, enfim, a inconstitucionalidade da criminalização do aborto.
A voto do Ministro Luis Roberto Barroso pode ser conferido em sua integralidade aqui.
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