Está cheio de ar: filme busca ouvir histórias de relacionamentos abusivos
- Bruna Leão
- 10 de jul. de 2017
- 4 min de leitura
As diretoras do filme Está cheio de ar, Laís Ferreira e Camila Vieira, convidam as mulheres que estão ou já estiveram em um relacionamento abusivo a não se calarem.
Por e-mail, conversamos com elas para sabermos um pouco mais sobre o projeto.

Na chamada, o seu projeto está definido como um filme “entre a ficção e o documentário”. Como seria isso?
Essa pergunta, na verdade, pode ser entendida e respondida de diversas maneiras pela teoria do cinema. O que podemos considerar como "real" no cinema documentário é sempre algo a ser definido, na medida em que a presença de uma câmera pode sempre reconfigurar uma realidade antes dela existente. Nossa ideia é construir um filme híbrido, em que as mulheres que se sintam confortáveis em estar na obra com o próprio corpo possam participar dessa forma. Haverá também uma escrita do roteiro construído a partir dos relatos das mulheres que não se sentirem à vontade para serem filmadas, mas que desejam compartilhar o que viveram – nesse caso, o roteiro será interpretado por atrizes. Uma das referências que temos é o trabalho de Eduardo Coutinho, especialmente nos filmes "As canções" e "Jogo de cena".
Em que fase de produção está o filme?
Estamos em pré-produção, ouvindo relatos para a construção do roteiro.
Qual é a proposta do filme?
Não temos a proposta finalizada, mas a ideia é construir um encontro de escuta a partir do filme. Nesse sentido, umas das questões que nos atravessam é a possibilidade de duas mulheres conversarem e se ouvirem no próprio filme. Esse dispositivo ainda está em construção, mas seria algo que permitiria a cada uma dessas mulheres indagar e ouvir o testemunho da outra, o que permite certo deslocamento das posições tradicionais de documentarista e entrevistado. Essa proposta inicial talvez possa conviver com imagens experimentais: isso é algo que vamos conseguir saber na medida em que formos ouvindo as mulheres que queiram falar.
O que levou vocês a escolherem abordar esse tema?
Apesar de ser um tema urgente e contemporâneo, ainda não há filmes que o abordem. Temos filmes como o "Precisamos falar de assédio", da Paula Sacchetta, que aborda questões semelhantes, mas ainda não vimos um filme que se volte à escuta de relatos sobre relacionamentos abusivos. Hoje em dia, parece-nos que há uma vontade e uma coragem maiores em se falar desses assuntos: como aconteceu, por exemplo, no uso das hashtags #euviviumrelacionamentoabusivo e #meuamigosecreto. No entanto, entendemos que é necessário organizar de forma mais cuidadosa e prolongada a atenção a essas denúncias de violência recorrentemente feitas por mulheres. Vivemos numa sociedade patriarcal, ainda muito machista, e uma das primeiras agressões feitas às mulheres é a condição do silêncio. Por isso, aquelas que questionam muitas vezes são taxadas de “loucas”. Outra questão é que o cinema ainda é uma área de predominância masculina e, ao nosso ver, não seria esperada a realização de um filme sobre esse tema por diretores homens.
Vocês estão fazendo uma chamada para escutar mulheres que viveram relacionamentos abusivos. Que tipo de histórias, por exemplo, vocês buscam?
Buscamos ouvir as histórias que as mulheres considerem abusivas. Ouvimos, algumas vezes, perguntas se era necessário, por exemplo, ter apanhado durante o relacionamento. Nossa resposta costuma ser sempre a de que não é apenas a agressão física que constitui uma violência, mas os gestos de manipulação psicológica, maus tratos e qualquer forma de tratamento que faça com que essas mulheres se sintam inferiores. O que é importante nesse chamado é encontrar mulheres que consideram que viveram relações abusivas. Isso é essencial: trabalhar com o que essas mulheres sentem que viveram. Muitas vezes, reconhecer que se viveu um relacionamento abusivo é um processo torturante e difícil: as mulheres são constantemente dissuadidas a fazerem isso, colocadas na condição de estarem exagerando, não entenderem que há um certo comportamento masculino que é comumente agressivo e isso deve ser aceito. Ouvir, nesse caso, é possibilitar o reconhecimento. É poder ajudar essas mulheres a construírem, para si, uma narrativa que é condizente com o que sentem.
[Existem vários tipos de abuso, falamos sobre isso no texto “Mas… isso também é abuso?"]
Se uma mulher que está nos lendo agora quiser ser ouvida por vocês e participar do filme, o que ela deve fazer? O que acontece depois de ela entrar em contato com vocês?
Ela pode escrever para o nosso e-mail estacheiodear@gmail.com ou pela página do Facebook, Está cheio de ar. Estamos pedindo que, inicialmente, ela envie um relato breve, da forma que se sinta mais confortável. Nesse caso, pode ser áudio, vídeo ou texto. Em seguida, iremos encontrar pessoalmente aquelas que, em algum momento, estejam no Rio de Janeiro ou em Niterói.
Vocês estão procurando mulheres de alguma região específica?
Ouvimos relatos de mulheres de todo o Brasil. No entanto, nossas gravações serão no Rio de Janeiro, contando com as entrevistas de mulheres que estejam aqui, porque moramos no estado.
Que tipo de mensagem vocês esperam que o filme passe?
A importância de escutar o que uma mulher tem a dizer sobre a própria história. Nem sempre uma mulher tem direito à fala, quanto mais à escuta: nossas sociedade ainda cala e emudece nossas mulheres.
Por fim, por que do título “Está cheio de ar”?
Porque dialoga, de alguma forma, com a música “Copo vazio” do Gilberto Gil. De certo modo, esse filme é uma possibilidade de se partir dos acontecimentos ruins vividos por essas mulheres para construir outras perspectivas. Esse encontro entre mulheres é a possibilidade de se reconfigurar o que é vazio. Outra questão é a ideia da escuta, mesmo. Um copo vazio, cheio de ar, pode conduzir o som – como se faz com dois copos ligados por um fio, em um brinquedo de telefone com fio.
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