Anaïs Nin – À flor da pele: em cartaz peça sobre a escritora de literatura erótica feminina
- naomekahlo
- 10 de ago. de 2017
- 7 min de leitura
Entrevistamos Flávia Couto, atriz que dá vida à escritora de literatura erótica feminina no monólogo que segue em cartaz no Teatro Viga, em São Paulo

Foto por Joseph Karadeniz
De 4 a 27 de agosto, fica em cartaz no Teatro Viga a peça Anaïs Nin – À flor da pele, cuja temporada de estreia lotou todos os dias das quatro semanas de apresentação na Oficina Cultural Oswald de Andrade. O monólogo é encenado por Flávia Couto, que se inspirou nos diários íntimos e correspondências secretas da autora de A Casa do Incesto para retratar sua luta pela liberdade artística, sexual e emocional em meados da década de 1930.
Em um cenário que remete ao "quarto de palavras" da autora, o público ouve as confissões e mergulha nas aventuras que se passam ora na provinciana Louveciennes (cidade a 30 quilômetros de Paris), ora na capital francesa ameaçada pela Segunda Guerra Mundial, ora na agitada e libertina Nova Iorque.
"Eu me sinto como Anaïs, exposta, mas num bom sentido, pois o público está muito próximo da cena, é como se eles estivessem dentro do 'quarto de palavras' da Anaïs, olhando tudo. O público é convidado a assistir pelo buraco da fechadura esse desnudamento da personagem", disse Flavia Couto em entrevista ao Não Me Kahlo. "Então, tudo é muito intenso e verdadeiro, mesmo por ser um testemunho de experiências de uma mulher, que são em um momento ou outro vivências nossas também, onde as espectadoras se identificam. O texto tem esse lugar da intimidade, da cumplicidade, intenso ao falar de coisas muito viscerais, ora libertinas, ora dramáticas, ora poéticas, ora epifânicas. A personagem está 'à flor da pele' no auge da intensidade de todas as suas experiências e emoções e partilha isso com o público".
A relação incestuosa com o pai Joaquín Nin (músico e compositor cubano), a tediosa vida burguesa ao lado de seu marido Hugh Guiler e as aventuras amorosas com o escritor Henry Miller são alguns dos assuntos abordados na peça. Fragmentado em episódios que se passam entre 1931 e 1937, o espetáculo também conta a relação interpessoal de Anaïs com o discípulo de Freud, Otto Rank, e sua experiência com a psicanálise que, segunda ela mesma, permitiu o nascimento do seu verdadeiro eu.
Sobre a questão do incesto, Flávia diz que "é um tema que é um tabu, embora ainda hoje seja algo que acontece e de maneira velada. No caso da Anaïs, ela teve a coragem de expor o acontecimento e transpôs poeticamente em literatura, por meio do formato de escrita que escolheu: os diários".
Por se sentir à sombra de homens que passaram por sua vida, Anaïs estabelece seu compromisso com a escrita e a ela dedica sua vida. Em determinado momento afirma: “Eu desafio o Homem. Um após o outro eu procurei um guia, um pai, um mestre, um homem. Eu tenho um marido, um protetor, amantes, um pai, camaradas, mas me falta ainda alguma coisa. Deve ser Deus. Mas eu detesto um Deus abstrato. Eu quero um Deus de carne e osso, encarnado e forte, com dois braços e um sexo. E sem defeitos”.
No palco, o corpo ganha a mesmo peso que a voz. Dirigida por Aline Borsari, a encenação contrasta texto e gestos inspirados no flamenco em um espetáculo que mescla a potência energética do sapateado da dança espanhola a momentos mais suaves da trama. A trilha sonora assinada por Juliano Abramovay acompanha a dramaturgia (do texto e do corpo), levando a diferentes espacialidades que compõem o enredo: a "sinfonia de celofane" da Broadway é contraposta com o jazz que nasce entre os negros do Harlem; a música de orquestra que simboliza o pai compositor se choca com o Flamenco, manifestação artística nascida de exilados, imigrantes e párias da sociedade, do qual emerge Maja, o eu lírico espanhol criado por Anaïs "que foi uma transposição poética da mulher enaltecida em toda sua força e plenitude", diz Flávia. . Ao longo do espetáculo, o público é transportado dos Estados Unidos a Paris, da vida livre ao cenário de guerra que se aproxima.

Foto por Joseph Karadeniz
O processo criativo
Foi em 2011, quando estudava teatro físico em Paris, que Flávia Couto teve o primeiro contato com a obra de Anaïs Nin. Desde então, a atriz se debruçou sobre seus diários íntimos e cartas secretas, colecionando os fragmentos que iriam compor a primeira versão da dramaturgia da peça, em 2015. "Foi um resgate da minha força como mulher", conta a atriz, que se admirou com a coragem da escritora em peitar a sociedade e não se delimitar em papeis.
"Quando eu comecei a ler os diários íntimos da Anaïs justamente o que mexeu comigo e me impulsionou a transpor para o teatro a obra dela foi a coragem dessa autora de escrever sobre suas próprias experiências, tanto artísticas, quanto emocionais e sexuais, transgredindo o papel que a sociedade esperava de uma mulher na década de 30, que foi o momento recortado na peça Anaïs Nin - à flor da pele. Anaïs expõe as dificuldades de como se sentir uma mulher plena na época, e revela os inúmeros duplos que encontrou para dar vazão as experiências que queria viver, sendo esposa, amante, escritora e psicanalista, em uma época onde o papel esperado da mulher era outro. Ela enfrentou toda uma sociedade e se assumiu como mulher livre, bem como seu estilo pessoal de escrita", disse Flávia sobre o processo criativo de "descobrimento" da obra de Anaïs Nin.
O convite a Aline Bolsari (integrante do Théâtre du Soleil, França) para dirigir o espetáculo foi feito no mesmo ano. Além dela, outros artistas participaram do processo criativo da peça, como: Antônio Januzelli, que orientou a pesquisa de texto em conjunto com o sapateado; os atores Silvia Susy e Daniel Alberti, que colaboraram com sugestões; e Miguel Alonso, com o treinamento em flamenco.
Anaïs Nin – À flor da pele foi criada a partir de residência artística em Paris com a diretora e com o compositor Juliano Abramovay, em janeiro e fevereiro de 2017. O processo foi concluído com um ensaio aberto ao público no Théâtre Le Regard du Cygne, dia 11 de fevereiro de 2017. A primeira temporada da peça, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, levou um público de 498 pessoas durante as quatros semanas em que ficou em cartaz – uma média de 40 pessoas por sessão, que é a lotação máxima da sala.
O sucesso do projeto pode ser explicado pelos sentimentos que evoca no público. "A peça toca em muitos pontos, e esse lugar 'à flor da pele' é algo que evoca a plateia para dentro dessa trajetória da personagem, partilhando seu percurso emocional. Então tem pessoas que são tocadas pelo lado humano, as constatações mais sutis sobre as relações humanas, outras pela contribuição que a psicanálise trouxe à obra da Anaïs, revelações íntimas sobre nossos desejos, psiquê, outras pessoas são tocadas pela trajetória da autora em busca da sua libertação enquanto artista e mulher. Para mim, tem muitos momentos tocantes na obra, pois ela vai fundo no "ser humano", nos nossos desejos, nos nossos sonhos e buscas libertárias", afirma a atriz.
Mais sobre Anaïs Nin
Filha de compositor cubano e de cantora com ascendência cubana, francesa e dinamarquesa, Anaïs Nin nasceu na França, mas se mudou com a mãe para Nova Iorque

logo que seus pais se separaram. A ausência do pai foi um dos principais motivos que a levaram, ainda adolescente, a escrever. Além de escritora, também foi analista. "A psicanálise fez eu descobrir meu verdadeiro eu”, afirma em seu diário, complementando que não havia se tornado uma verdadeira mulher e conquistado sua liberdade antes dessa atividade.
Ficou famosa pela publicação de seus diários íntimos, que narravam situações e temas polêmicos para a época, tais como as aventuras sexuais com amantes e o caso de incesto com seu pai. "Anaïs teve essa relação consentida com o pai que ocorreu após o reencontro que tiveram depois de um longo período sem se verem", explicou Flávia, e continua:
Anaïs Nin
"Anaïs tinha sido abandonada pelo pai em sua adolescência, e sua mãe seguiu com ela e seu irmão para os Estados Unidos, para recomeçar uma nova vida. Então, ela começou a escrever seus diários nesse momento, diante da ausência da figura paterna, que para ela era uma grande referência de artista e homem, Joaquín Nin-Culmell foi um compositor e pianista renomado na época. O que era a princípio para ela apenas algumas cartas ao pai, pedindo que ele voltasse, acabou com o tempo ganhando força artística e se transformando em obras em formato de diários, como 'A Casa do Incesto'. Essa obra retrata a vida de Anaïs após seu casamento com Hugh Guiller, já morando em Louveciennes (cidade próxima a Paris, França) e fala do reencontro com o pai, além da relação extraconjugal com o escritor Henry Miller e o psicanalista Otto Rank".
Henry Miller, amante de Anaïs, chegou a dizer que sua escrita "não era literatura". Anaïs foi oficialmente bígama, ao se casar em 1955 com Rupert Pole, sendo ainda esposa de Hugh
Guiler, o qual considerava "um anjo". Por ser uma mulher livre e persistir firme na defesa pelo seu estilo pessoal de escrita e espaço como autora, foi considerada uma referência para movimentos emancipatórios femininos.
"Anaïs teve a coragem de enfrentar uma época e assumir seu estilo pessoal de escrita, se recusou a viver a sombra de outros homens, 'peitou' Henry Miller que no princípio não acreditava que diários fossem considerados literatura, e ainda teve a coragem de expor suas experiências sexuais", diz Flávia Couto. "Foi uma das pioneiras na literatura erótica, aos descrever suas próprias vivências sexuais, descrevendo até cenas do incesto com o pai e também o aborto que fez. Essa bravura de Anaïs de se expor, de revelar uma mulher em sua plenitude, todos seus desejos, facetas, seus momentos de força e também fragilidade é o que inspira muitas mulheres até hoje".
Anaïs Nin – À flor da pele
De 04 a 27 de agosto - sextas e sábados às 21h e domingo às 19h
Viga Espaço Cênico
Rua Capote Valente, 1323 – Sumaré (150 metros da Estação Sumaré de metrô)
Telefone: 38011843
Entrada: R$ 40,00 inteira e R$ 20,00 meia-entrada
Classificação indicativa: 14 anos
Duração: 55 minutos
Capacidade: 40 lugares
Ficha técnica
Texto original: diários íntimos de Anaïs Nin
Adaptação teatral, interpretação e figurino: Flávia Couto
Direção e cenário: Aline Borsari
Direção musical: Juliano Abramovay
Preparação em Flamenco: Miguel Alonso
Laboratório dramático do ator: Antônio Januzelli
Iluminação, músico e operação de luz: João Jorge
Operação de luz e som: Jorge Leal
Figurino saia de Flamenco: Aire Flamenco y Pasión
Produção: Flávia Couto e Adriano Suto
Fotos: José Rubens Moldero
Vídeo: Fernanda Ciardi
Assessoria de imprensa: Amaré Cultural
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