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Alguém pare W.O e outros dinossauros

  • Foto do escritor: naomekahlo
    naomekahlo
  • 28 de jul. de 2017
  • 4 min de leitura

Uma carta aberta platônica para Washington Olivetto

Washington Olivetto, em matéria realizada pela BBC

Essa entrevista ficou gritando na nossa timeline por três dias. Três dias é tempo demais pra uma notícia de internet. Tentamos nos agarrar a uma possível admiração até sermos atropeladas por um belíssimo Porsche que, claramente, é uma máquina muito melhor que nós. Um objeto com muito mais valor, que pode ser trocado, exibido como comprovação de status. Mas nós somos mulheres e, como o senhor mesmo disse, reclamamos e causamos problemas. Vamos a este.


Pensamos muito antes de escrever essa carta, porque sabemos as responsabilidades por trás de dizer verdades não ditas. Sabemos que muitas gostariam de falar algo, mas não o fazem por medo de "prejudicarem suas carreiras". Entendemos e enxergamos o risco, mas cansamos de engolir as repetidas declarações e situações em nosso dia a dia. A verdade é que quase todo mundo do mercado já pensou que "alguém precisa parar esses caras" - com razões reais, ao contrário dos que querem parar o Rodrigo Hilbert. Também temos plena consciência que não representamos a opinião de todas as mulheres e que expomos aquilo entendido como importante, a partir da nossa perspectiva.


Quem faz publicidade conhece você e outros rostos antigos do mercado antes mesmo de ter o privilégio de trabalhar em uma das filiais. Dizemos privilégio porque nem todos conseguem pagar o preço: sabemos que nos é cobrado as melhores universidades, intercâmbios, falar línguas estrangeiras, ter inúmeros cursos e palestras extras ou até carregar sobrenome gringo. Êta mercado fechado, feito para privilegiar aquele outro QI e sua hierarquia, em uma lógica sempre elitista. Mas logo caímos na realidade e nos tocamos que ídolos são humanos e mortais. E como todos os mortais, envelhecem. Uma pena você ter envelhecido sem acompanhar o espírito do tempo em que vivemos. Mesmo na nossa profissão, onde sempre somos exigidas a acompanhá-lo. Você disse para a matéria da BBC Brasil que a interação entre marca e consumidores precisa ter limites. Mas claro que você não iria contar para a matéria da BBC Brasil que as interações abusivas de poder que acontecem dentro da sua agência é que não têm limites. Assim como acontecem na maioria das grandes agências de propaganda do país e do mundo. Desde que a primeira agência ganhou a primeira grande conta. Quem é do mercado está cansado de ouvir (e de não poder fazer nada) sobre as "histórias de bastidores", "os detalhes sórdidos das relações profissionais". Pra gente, Washigton Olivetto, esse é o tipo de interação que precisa ter limite. Já a relação publicitário-consumidor, essa não precisa de limites: o consumidor sempre teve opinião, você que se recusa a escutar. Talvez distraído com as verdades imóveis que nutrem o seu ego.


Assim, as consumidoras (aquelas que cometem a chatice de pensar!) não vão, como você sugeriu, "trocar de canal" ou "desligar a cabeça". Porque essas declarações são parte de microagressões diárias que têm consequências bem maiores do que ficarmos chateadas com você.


Na mesma entrevista, você ainda declarou que “o leitor sensível é um censor disfarçado". E também, sempre que pode, reafirma que “o politicamente correto deixou o mundo chato". Realmente deixou. Deixou mais chato para você e todos nós que vivemos em uma realidade privilegiada e agora precisamos pensar duas vezes antes de ofender alguém com palavras e atitudes. Coisa que, pelo visto, o senhor não entendeu muito bem como fazer. Hoje, esses "leitores sensíveis" são também consumidores e cada um deles está agora munido de meios para expor sua opinião em escala global. E é graças a essa mesma exposição de opiniões que nós, todos os dias, refletimos, repensamos e criticamos tudo que é colocado como "certo" e "errado". O que você chama na entrevista de "irreverência" é apenas preconceito disfarçado.


Uma coisa que a gente queria pontuar rapidinho é esse trecho que você diz: "99,9% das mulheres no mundo gostariam de namorar com um homem bonito, inteligente, charmoso, rico, simpático, bem humorado e bom de cama". Desculpa te lembrar, mas muitas mulheres não estão nem interessadas em homens, para começar. Vamos rever essa visão heteronormativa do mundo? E as mulheres que não querem namorar nesse momento, que estão fazendo outra coisa? Essas não existem?


Mas até que conseguimos concordar em algumas coisas, sabia? Por exemplo: Empoderamento feminino não pode ser oportunista, e sim oportuno. E para o bem da protagonista. Ou seja, a própria mulher, seja ela a que se apresenta nas inúmeras mídias, seja ela a consumidora dessa mídia ou, possivelmente, marca. Não podemos deixar passar em branco o quão oportunista foi você dizer que se apropriou da campanha de L'Oréal para o Dia da Mulher. Seria lindo se, na época, você tivesse realmente dito “Não pode acabar nisso. Não pode ser um comercial que ganhe um prêmio, tem que virar uma coisa grande”. Mas a verdade é bem mais preconceituosa, não é mesmo? Não querer se envolver em nenhuma parte do processo e ainda questionar quem aprovou aquela "porra" de campanha é querer anular a identidade de gênero da mulher que estava ali representando outras mulheres. Como dissemos, o mercado é fechado e pequeno e gritar isso pelos corredores da sua agência é gritar para o mercado todo.


Não temos a ambição dessa "carta" chegar até você, Washington, ou em qualquer outro ~dinossauro do mercado. A ideia é que pessoas do mercado, futuras publicitárias, pessoas em formação ou pessoas interessadas na área conheçam mais sobre o que está por trás dos grandes nomes, o que já é sabido e comentado nos corredores das grandes agências brasileiras. E, também, por trás do mundo. Procurem conhecer outras referências.


A decepção com visões ultrapassadas é inevitável no mercado publicitário. Mas não pensamos em desanimar. Encontramos pessoas que nos ajudam a continuar remando. Hoje, não colecionamos ídolos com grandes egos. Não somos mais fãs de W.O., Marcelo Serpa, Nizan... - ou qualquer um desses nomes, geralmente no masculino. Somos uma rede coletiva de mulheres, de fortalecimento e empoderamento. É nessas mulheres que nos espelhamos para sermos a profissional que desejamos ser e ocupar cada vez mais o espaço que nos é negado.


Por fim, que fique bem claro que a vida, nenhuma delas, será cancelada, trocada ou ignorada. E como sabemos que você tem os ouvidos atentos quando o assunto é música popular brasileira, trazemos a fala de outra mulher para que, quem sabe, você compreenda afinal que "é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem."


Somos mulheres, bem melhores e maiores que os Porsches, apesar de corrermos na mesma velocidade.


Saudações feministas,

Algumas mulheres publicitárias.

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