Sororidade existe?
- Rachel Alvarez
- 12 de mar. de 2018
- 5 min de leitura
O feminismo tem ganhado força nos últimos dois anos, mas sororidade ainda parece ser uma palavra utópica para muitas feministas.
Outro dia, em um grupo feminista que participo no Facebook, uma mulher levantou a questão: “qual sua opinião sobre sororidade?”.
Eu, inocente, acreditei que leria muitos comentários positivos em relação a isso mas, infelizmente, não foi o caso.

Print de alguns dos comentários. Fotos e nomes foram apagados para proteger a imagem de todas as envolvidas.
A grande maioria das mulheres disse que sororidade é um mito, conto de fadas, não existe, e que muitas vezes é utilizado para passar a mão na cabeça de “manas escrotas”.
Admito que isso me entristeceu muito. Me peguei pensando três coisas: 1. será que essas mulheres estão certas? Será que sororidade é um mito? É utópico?; 2. Se não nos unirmos, se não houve sororidade, como alcançaremos a igualdade de gênero?; 3. Me parece que as mulheres não sabem ao certo o que é sororidade.
Bom, acredito que muitas pessoas que estão lendo este texto já devem saber mas, para dar uma ênfase ao que está sendo escrito, achei interessante pesquisar o que significa feminismo e sororidade:
Feminismo é um movimento político e social que defende a igualdade de direitos (político, social e econômico) entre gêneros [1].
Sororidade é a união e aliança entre mulheres, baseado na empatia e companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum. Do ponto de vista do feminismo, a sororidade consiste no não julgamento prévio entre as próprias mulheres. (Oficialmente, sororidade ainda não faz parte do dicionário brasileiro.) [2]
Na minha humilde opinião, não existe feminismo sem sororidade. Um complementa o outro em muitas formas: se não formos empáticas com a luta diária de cada uma, se não nos compreendermos e pararmos de criticar umas às outras, a consequência será dar ainda mais poder ao patriarcado e ainda mais justificativas para a continuidade do machismo.
Pelo que vi nos comentários, de uma forma geral, algumas mulheres parecem confundir sororidade com um nível de compreensão e tolerância incondicional. Como se elas não pudessem fazer uma crítica caso a mulher esteja errada ou tenha falado alguma besteira ou até tenha agido de forma maldosa (afinal de contas, somos humanas e isso acontece), o que não é o caso. A sororidade prega a ideia de que devemos ser mais empáticas umas com as outras e parar de ver a outra mulher como inimiga. Isso não significa que você precise amar e ser amiga de absolutamente todas as mulheres a sua volta. Amizade e amor ocorrem por afinidade, e as vezes nós simplesmente não nos damos bem com alguém, homem ou mulher.
Essa inimizade entre as mulheres é um produto que a mídia vende fortemente e a sociedade compra. Vemos em filmes, novelas e na mídia como um todo, como as mulheres são inimigas e precisam lutar umas contra as outras. Um exemplo disso é Britney Spears e Christina Aguilera; durante minha adolescência, me lembro de ver uma competição constante entre as duas, em que nenhuma delas participava. Alguém construiu essa competição e vendeu a ideia. Mesma coisa com Madonna e Cindy Lauper. Jennifer Aniston e Angelina Jolie, no caso da traição de Brad Pitt.

Capa de algumas das revistas sobre a inimizade das atrizes. Na capa da esquerda: “como ela roubou Brad”. Na capa da direita: “12 anos depois...A vingança de Jen”. Passaram-se 12 anos, Jennifer já até se casou novamente! Angelina e Brad já se separaram! E elas continuam rivais...?
No caso do Brasil, não podemos nos esquecer de todas as novelas que exploram a rivalidade entre mulheres, como por exemplo a novela Mulheres de Areia (de 1993) que tinha, como história principal, irmãs gêmeas que estavam em constante competição (Raquel e Ruth). Prefiro nem comentar sobre Manoel Carlos pois até rivalidade entre mãe e filha existiu nas novelas dele.

Na foto esquerda, Ruth e Raquel, personagens interpretadas por Glória Pires na novela Mulheres de Areia. Na foto direita, Carolina Dieckmann e Vera Fischer interpretavam mãe e filha, apaixonadas pelo mesmo homem, em Laços de Família.
Crescemos em uma sociedade que não nos permite olhar para outras mulheres com amor e compaixão. Quantas de nós dizem que preferem ter amigos homens e não se dão bem com mulheres, ou que se sentem ameaçadas quando o namorado/marido/parceiro começa uma amizade com uma mulher?
Existem muitos motivos para isso ocorrer. Acredito que um dos motivos principais é a objetificação da mulher, que faz com que, automaticamente, essa competição constante se propague. O outro motivo, que eu acredito ser o mais forte, é pela simples ideia de o patriarcado querer dificultar a nossa articulação como um todo. Mulheres conversando sobre assuntos que não convêm pedindo por mais direitos. É aquela famosa e antiga tática de guerra: dividir para conquistar. Enquanto continuarmos divididas, inimigas, rivais, não estaremos unidas a ponto de fazer uma grande mudança na forma como a sociedade enxerga a mulher.
Isso não significa que a sororidade exista da forma como gostaríamos. Ainda temos muito chão para percorrer. Quando falamos sobre feminismo e mulheres conquistando o direito ao trabalho nos anos 60, por exemplo, nem sempre pensamos na mulher negra que, em sua maioria, sempre foram obrigadas a trabalhar devido a injustiça econômica e social que ela enfrentava (e ainda enfrenta!).
O meu feminismo pode não ser o mesmo que o de outras feministas e já fui muito atacada em grupos feministas online por ter uma forma de pensar um pouco diferente (sou feminista intersecional). Discordar da opinião do outro e querer debater sobre o assunto é normal e até saudável. Não aceitar a opinião, querer impôr a sua verdade e humilhar alguém na frente de todos não é bacana. E o que vejo atualmente são muitas mulheres atacando umas as outras com esse intuito. Daí entra um dos parâmetros da sororidade: uma mudança de comportamento e forma de pensar são necessárias para que a empatia ganhe um lugar.
Alguns dos comentários que ouvi foi que a mulher está cansada de praticar a sororidade e não ocorrer o mesmo com ela. Mas a sororidade precisa ter um início. Alguém precisa começar a corrente do bem em algum momento. Eu procuro praticar a sororidade todos os dias. Preciso me policiar as vezes, admito, pois não é algo que nossa sociedade reforçou enquanto eu crescia. Mas isso não significa que eu não procure ser cada dia melhor e sinta cada vez mais amor por cada mulher. Eu cansei de competir, prefiro me unir.
É uma prática diária e precisa ser feita. A sororidade existe e nós precisamos dar inicio a essa corrente se quisermos ver uma mudança social real.
Para que competir se, no fim, estamos todas em busca de um só propósito: nossa liberdade.
Sobre a Autora: Rachel Alvarez morou 9 anos em Londres retornando ao Brasil há pouco mais de um ano. É feminista, Coach de Vida e fundadora da Coach In Connexion, uma empresa que se dedica a ajudar mulheres a se desenvolverem, em nível pessoal e profissional, para que possam ser as protagonistas de suas histórias. (www.inconnexion.com.br)
[1] Fonte: https://www.significados.com.br/feminismo/
[2] Fonte: https://www.significados.com.br/sororidade/
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