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Feliciano nega a cultura do estupro e, depois, reforça a cultura do estupro

  • Foto do escritor: naomekahlo
    naomekahlo
  • 20 de jun. de 2016
  • 3 min de leitura

Não é surpreendente ver entre os políticos as mais diversas contradições, mas Marco Feliciano (PSC) se supera. Em discurso na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, ele afirmou:


"Cultura tem a ver com crença, arte, moral, lei e costumes. Não existe no nosso país uma religião que apoie o estupro, portanto não é crença. Não existe beleza no estupro, então não é arte. Não existe moral no estupro, e não há lei que apoie o estupro, tampouco o costume do estupro. Existe estupro? Existe. Existe no nosso país um bando de gente delinquente, sociopatas, psicopatas. Pessoas maltratadas no seio da sua família, com algum tipo de trauma”


Não bastasse isso, continua:


"Moro em uma casa com seis mulheres, minha mãe, minha esposa, minha sogra, minhas três filhas. E sempre ensinei às minhas mulheres que deem respeito para que sejam respeitadas."


Sem querer, Feliciano nos deu um exemplo perfeito de como funciona a cultura do estupro em nossa sociedade. Apesar de dizer que “cultura do estupro não existe”, afirma, logo em seguida que suas mulheres se dão o respeito, logo, são respeitadas. A consequência lógica dessa afirmação é: mulher que não se dão o respeito, não são respeitadas. Dentro do contexto do assunto, isso quer dizer que mulheres que foram estupradas assim o são porque não se deram o respeito.


O que Feliciano não entende – e ele não está sozinho nessa – é o que chamamos por cultura do estupro. E, com isso, não estamos afirmando que as pessoas abertamente defendam o estupro ou que mulheres sejam estupradas – apesar de que isso também ocorre -, mas que a cultura do estupro se materializa no imaginário social coletivo de forma bem mais sutil, como foi a fala do Feliciano.


Veja bem, um importante representante de um partido político afirmou em um discurso em plena Câmara dos Deputados que mulheres devem se dar o respeito para serem respeitadas. O próprio ponto de partida de um discurso político do tipo apenas reforça o quão institucionalizada está a cultura do estupro. Ademais, mostra também toda a ignorância sobre o assunto.


Feliciano diz que não existe religião, moral ou lei que apoie o estupro e, portanto, a cultura do estupro não existe. Em nosso livro #MeuAmigoSecreto: feminismo além das redes, abordamos o tema em um capítulo específico intitulado “Cultura do estupro: uma forma de violência simbólica”, onde falamos sobre essas contradições sociais. Por exemplo, Feliciano não apoia diretamente o estupro, mas acredita que “mulher que não se dá o respeito não merece respeito”, e isso serve como justificativa para o respaldo social do estupro. É só ver, por exemplo, a reação social ao estupro coletivo da menina do Rio de Janeiro, que ganhou amplo destaque nos noticiários nacionais. A vítima teve seu passado revirado, em busca de detalhes da sua vida que pudessem explicar o porquê de ter sido vítima, afinal, se ela não foi respeitada – tendo sido estuprada - é porque não se deu o respeito. Logo, surgem comentários como “ela dá pra todo mundo”, “ela estava em um baile funk”, “ela gosta de suruba”, entre outros.


Assim, apesar de não haver o endosso ao estupro, a fala do Feliciano contribui pra perpetuação da cultura do estupro. Quando vemos esse tipo de discurso sendo proferido numa Câmara Legislativa, nos damos conta da dimensão do problema. Institucionalizada e naturalizada, a cultura do estupro se mantém sendo propagada na Câmara, na mídia, no dia-dia. Até quando?

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