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Lula, “grelo duro” e a hipocrisia da direita

  • Bruna Leão
  • 22 de mar. de 2016
  • 4 min de leitura

Olha, vou te falar uma coisa... 99,9% das vezes que algum machista vem me falar – pelo twitter, principalmente – algo como “NÃO VAI FALAR NADA DISSO? HIPÓCRITAS!”, eu não faço a mínima ideia do que ele está falando. Acho que ele pressupõe que eu faço parte do grupinho deles onde algum tipo específico de informação rola (do tipo que só tentam deslegitimar o feminismo) e, por isso, eu tenho que estar a par de tudo que está acontecendo no mundo.


Daí quando vejo do que realmente se trata tenho uma preguiça enorme de realmente me manifestar. Normalmente é algo de uma idiotice sem tamanho.


E esse foi o caso do Lula e do “grelo duro”.


Como tantas outras vezes, vieram dizer pelo twitter: “QUANDO É O LULA VOCÊS VÃO PASSAR PANO, É?!” ou “SE FOSSE O BOLSONARO VOCÊS TAVAM FALANDO ALGUMA COISA”. Quando as pessoas vem cobrar posicionamento assim, minha vontade é de apenas passar o número da minha conta bancária, porque né... não sou wikipedia de ninguém. Nesse caso, não fazia a mínima noção do que se tratava porque não tinha lido nada a respeito ainda.


Até que uma dessas pessoas raivosas copiou a frase na qual o Lula mencionava lá o tal do “grelo duro” e como isso era ofensivo. A frase era:


“Sabe, porque... até a Clara Ant (...) porque fica procurando o que fazer. Faz um movimento da mulher contra esse filho da puta. Porque ele batia na mulher, levava ela pro culto, deixava ela se fuder, dava chibatada nela. Cadê as mulheres de grelo duro do nosso partido?”


Confesso que quando eu li a primeira coisa que pensei foi: o que é “grelo duro”? Estavam me dizendo, de antemão, que era uma ofensa. Pelo contexto da frase, eu primeiro pensei que se tratava de algo como “mulheres de fibra” ou algo do tipo. E foi realmente assim que a maioria das feministas também se posicionaram.


Veja bem, não sou petista, muito menos governista. Apesar de todo coxinha achar que todo mundo de esquerda é do PT ou defende o PT, não é esse o caso. Aliás, toda trajetória do nosso Coletivo foi sempre de oposição ao governo, mas oposição de esquerda, claro. Não tenho problema de dizer que o Lula foi machista. Mas também não posso dizer que “grelo duro” me ofendeu.


Aliás, o que me chamou atenção nessa conversa foi outra coisa, que considerei bem mais grave do que o tal do grelo duro.


O Lula estava falando, nessa conversa, do procurador da República Douglas Ivanowski Kirchner. Ele ocupa provisoriamente a vaga do promotor Paulo Roberto Galvão de Carvalho, que trabalha na Operação Lava Jato em Curitiba.


A história dele é bizarra.


Ele assumiu o cargo de Procurador em Rondônia, enquanto a sua esposa, Tamires, estava sequestrada por integrantes da Igreja Evangélica que o casal frequentava.


Tamires havido jogado fora a aliança de casamento e foi punida pela pastora da igreja com uma surra de cipó. O marido presenciou tudo. Depois, ela passou cinco meses em cárcere privado, como parte de um “regime disciplinar”, também com a conivência do marido que depois veio a se tornar Procurador.


A família de Tamires chegou a denunciar seu desaparecimento. Nesse meio tempo, Douglas assumiu o cargo no Ministério Público Federal, ingressando, assim, no período de estágio probatório de dois anos. Tamires sobreviveu ao seu sequestro, comendo restos de comida, dormindo no chão, sem acesso a remédios ou a itens básico de higiene. Quando conseguiu fugir, denunciou o marido.


“Mas uma pessoa assim tem condições de ocupar um cargo no Ministério Público Federal?”, você pode estar se perguntando. Acredito que o bom senso indicaria que não, que ele deveria ser afastado do cargo. Foi o que a vice-procuradora geral da República, Ela Wiecko, também sugeriu ao solicitar a exoneração de Douglas ao argumentar que ele “não possui idoneidade moral para exercer o cargo de procurador da República”.


No entanto, a proposta da relatora foi derrotada pelo Conselho Superior do Ministério Público, por 5 votos a 4.


O Viomundo fez uma matéria sobre isso e registrou um comentário que descreve bem o problema:


Isso dá um livro. Jovem promotor, transferido para Brasília sob grave acusação, para tratamento psiquiátrico, ocupa provisoriamente vaga de colega que trabalha na Lava Jato. Decide abrir procedimento contra um ex-presidente da República, é acusado de vazar documentos para a revista da família mais poderosa do Brasil e, apesar de responder a processo por sequestro e cárcere privado da própria mulher, conquista cargo vitalício!


Então, estaria certo o Lula de convocar feministas que se indignassem contra isso? Certamente. Ocorre que ele fez não por se preocupar com Tamires, a vítima, e também não se preocupar com o fato de haver um machismo institucionalizado que permite que homens assim ocupem cargos importantes e de prestígio, como é o de Procurador da República. Lula queria que o movimento feminista se indignasse com isso para tirar proveito individual do fato.


E o mesmo aconteceu com as pessoas de direita que vieram cobrar críticas ao Lula. Imagine só que curioso que é pessoas acostumadas a xingar a Dilma de todo tipo de palavrão machista vir falar que é ofensivo que o Lula falou “grelo duro”.


A intenção deles não é – nem nunca foi – de um interesse legítimo em não ofender mulheres, muito menos mulheres feministas. Aliás, o que mais fazem é nos ofender. O objetivo, tal como Lula, era mobilizar o movimento feminista com motivação em interesse próprio. Neste caso, o objetivo era manchar a imagem do Lula.


Em ambos os casos se tenta o mesmo: usar o movimento feminista como massa de manobra.


E isso é de longe muito pior que falar que mulheres tem “grelo duro”.


O movimento feminista sempre se pautou pelo posicionamento político. Ser feminista significa incessantemente fazer política. No entanto, não nos escutam quando falamos nos direitos das mulheres, na configuração sistêmica do machismo, no feminicídio, na morte de mulheres transexuais, entre tantas outras pautas urgentes que lidamos diariamente. O que chama atenção e querem nos ouvir é sobre “grelo duro” ser ofensivo ou não? Me poupe!


EDITADO: este artigo foi editado para constar: "Ele ocupa provisoriamente a vaga do promotor Paulo Roberto Galvão de Carvalho, que trabalha na Operação Lava Jato em Curitiba".


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