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A babá vai de branco, mas ela até ganha um salário!

  • Gabriela Moura
  • 14 de mar. de 2016
  • 4 min de leitura

Será que deveríamos receber um prêmio por jogar o lixo no lixo? Será que a chuva é molhada?


Pagar salário a quem trabalha para você não é favor, é obrigação, como bem lembrado pelo casal que foi à manifestação "Fora Dilma" sem abdicar da babá, claro. Um preceito tão básico que não precisaria ser explicado. E, de fato, se todos fizessem isso o país estaria melhor. Mas não se dependesse de vocês, novos senhores da Casa Grande, que, diferente do que pregam, passam longe de um conceito amplo de honestidade e baseiam o ser honesto em uma meritocracia escrachada onde o maior pisa no menor.


Disseram:


A babá da foto, só trabalha aos finais de semana e recebe a mais por isto. Na manifestação ela está usando sua roupa de trabalho e com dignidade ganhando seu dinheiro. A profissão dela é regulamentada. Trata-se de uma ótima funcionária de quem, a propósito, gostamos muito.



O debate aqui não é sobre uma situação individual. Essa cena é emblemática e não é exceção. A Proposta de Emenda Constitucional nº 72, que regulariza a situação dos trabalhadores domésticos (babás, diaristas, empregadas que dormem no local, etc.) enfrentou resistência por parte da gente de bem que tem muita dificuldade em limpar sua própria sujeira e precisa explorar os outros com o aval do “estou pagando”.


Mais do que isso, pessoas "de bem" que fazem questão de sinalizar seus empregados por meio de artifícios como o uso de uniformes, locais da casa determinados onde podem ou não circular e o posicionamento, como manter-se atrás de seus patrões durante passeios públicos. A situação das empregadas domésticas deu origem ao documentário "Doméstica" e ao filme "Que horas ela volta?", ambos em uma tentativa de escancarar o que há por trás do “trato minha funcionária muito bem, pago um salário”. Logo, senhores, o pagamento e a definição de um horário específico de trabalho que não venha a ferir os direitos da trabalhadora não são mérito seus, uma vez que sua classe (a dos patrões) nunca movera um dedo para assegurar a tranquilidade financeira e previdenciária de seus empregados. Citando Djamila Ribeiro, Mestre em Filosofia Política:


Vamos ter mais honestidade no debate? Óbvio que ser babá não é demérito para ninguém, muitas mulheres negras estão no trabalho doméstico por sua ligação direta com o escravismo. A questão principal é: quais opções essas mulheres tiveram na vida? Quais são as condições concretas que lhe permitem ter escolhas? Sabemos muito bem como o trabalho doméstico é tratado no Brasil, quando da PEC das domésticas vimos o alvoroço que foi porque os direitos da trabalhadora doméstica seria equiparado ao de qualquer trabalhadora. Equiparado. Pois então, deixem de hipocrisia. A moça, babá, que teve a foto nas redes sociais tem vida, mas é obrigada a estar num "protesto" num domingo a tarde. Essa é outra questão. O modo pelo qual a burguesia e classe média trata essas trabalhadoras, com exploração e como símbolo de status. Não é demérito pra ninguém, mas como uma mulher que teve o ciclo do trabalho doméstico quebrado na minha geração, sou grata por ter tido escolhas. Não reduzam o debate à hipocrisia e paternalismo de vocês. Estamos discutindo desigualdade concreta aqui.


Ainda sobre sua babá, compreendo que deve ser mesmo complicado debater direitos trabalhistas de empregados domésticos com quem não parece sequer ter assimilado a Lei Áurea. Já falamos aqui no site do Não Me Kahlo sobre a herança escravagista na forma como esse trabalho é visto e tido no Brasil, o que explica, também, porque um pedido e demissão da moça em questão não é nem sequer cogitado. Não precisa ir muito longe para compreender a situação social das pessoas em trabalho doméstico e é por isso que o trabalho de ONGs, movimentos sociais e sindicatos ganha força à medida que vocês batem o pezinho na esperança de manter seus privilégios sem serem incomodados. Sem querer, vocês reproduziram uma caricatura que já passeia pelas redes sociais há certo tempo.




Aquilo que os senhores chamam de ódio, nós chamamos de reação. Quem vê a atuação de babás e empregadas como indigna não somos nós, que sabemos que essa atividade garantiu a nossa sobrevivência ao longo dos séculos, mas são vocês, que se recusam a limpar a própria sujeira e que fogem desses afazeres e contratam pessoas com renda infinitas vezes mais baixas. São vocês que se acham heróis por praticar a incrível benevolência de ocupar dentro de sua residência pessoas que não têm nome, têm uniforme branco e um punhado de eufemismos (funcionária, auxiliar, secretária do lar ou “a moça que trabalha lá em casa”). As atividades de limpeza estão sempre atreladas às pessoas mais pobres, não porque somos indignos, mas porque fomos compulsoriamente colocados nessa situação desde a era escravagista, quando surgiu o status de possuir alguém que os sirva.




A manifestação de hoje teve muito menos a ver com luta contra corrupção – ainda que vocês da direita brasileira gostem de analisar corrupção sob um viés único. Do contrário não seria aceito o apoio de uma grande rede de fast food que é investigada por fraude fiscal e coleciona processos trabalhistas, e de políticos citados na mesma operação Lava Jato que vocês atribuem a um partido único.


Assim, essa manifestação tem muito mais a ver com a indignação ao perceberem que situações de exploração não são mais bem aceita por todo mundo. E ao citar o termo “exploração” não me refiro a chibatadas, que eu creio, particularmente, só não são feitas porque existe uma lei que coíbe isso. Exploração, aqui, ganha o panorama social da hierarquia por classe. Ou seja, o rico caricaturizando o mais pobre ao seu bel prazer, uniformizando uma empregada, para ter certeza de que ela jamais irá ser confundida com alguém da família, mantendo tradições centenárias de servidão.


Poupem suas digitais para escrever e seu fôlego para falar se for para justificar o injustificável. A micareta verde e amarela fala por si só, o oposto da idoneidade que sua resposta pífia quis fazer acreditar.



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