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O complicado relacionamento de Ronda Rousey com o feminismo

  • Stephanie Convery
  • 16 de nov. de 2015
  • 4 min de leitura

A Ronda Rousey é uma prova viva contra a ideia prevalecente de que mulheres são inerentemente inferiores fisicamente. Mas ela faz questão de se distinguir das “outras” mulheres, escreve Stephanie Convery.


Ronda Rousey já foi chamada de tudo, desde aberração até feminista.


Invicta nas artes marciais na categoria peso galo da UFC, ela frequentemente leva crédito por ter sozinha mudado a dinâmica de gênero no esporte que é um dos mais populares do mundo.


As supostas credenciais feministas da Ronda em parte existem por conta dessa inovação: em 2011, Dana White, presidente do Ultimate Fighting Championship, disse que "nunca" veríamos mulheres lutando na UFC. Agora, seu campeão mais bem pago é uma mulher loira de 1,70m. Mas quão feminista é a Rousey, realmente?


Em alguns aspectos, histórias sobre ela parecem ter saído direto de uma lenda urbana. Em um incidente particularmente interessante, a Rousey foi ao cinema com seus amigos, confrontou uma mulher que tinha sido rude e alguns rapazes que a acompanhavam ficaram ofendidos e decidiram defende-la. Mas, quando o confronto se tornou físico, eles descobriram da pior forma possível que a mulher bonita com um vestido de estampa de leopardo era uma artista marcial de elite que em breve ganharia uma medalha de bronze no judô competindo nos jogos olímpicos de Beijing.


Nesses mesmos jogos olímpicos, em 2008, a Ronda perdeu uma luta pela última vez: para a judoca holandesa Edith Bosch. O domínio de Ronda Rousey nas artes marciais desde então tem sido tão completo que os espectadores podem se considerar sortudos se assistirem uma luta que dure mais de um minuto. Sua primeira luta de MMA profissional durou 25 segundos; suas duas desafiadoras mais recentes para o título do peso galo da UFC, a Bethe Correia e a Cat Zingano, duraram 34 e 14 segundos respectivamente. Isso não quer dizer que sua oponente para a luta do título deste domingo em Melbourne deve ser subestimada – a ex-campeã de boxe Holly Holm, de 34 anos, também segue invicta com 9 vitórias e 0 derrotas no MMA e a disputa deve atrair multidões.


O sucesso de Rousey em um esporte físico e tão estereotipado como masculino com certeza merece atenção e respeito. Ela também já passou por muitas dificuldades pessoais: o suicídio do seu pai quando ela tinha oito anos de idade; um relacionamento intenso e difícil com sua mãe; distúrbios alimentares induzidos por competição; períodos de sua vida que não tinha onde morar, pobreza e abuso de drogas. As respostas dela em relação aos previsíveis comentários sexistas e mal-intencionados sobre sua forma física, que ela sofre por ser uma mulher que desafia a compreensão tradicional do que as mulheres são capazes mental e fisicamente (músculos fortes, velocidade e foco, isso sem mencionar os recordes quebrados no esporte), sempre foram afiadas e corajosas.


Mas apesar de tudo isso, Rousey parece sentir sempre a necessidade de se distinguir das “outras” mulheres - “as vadias que não fazem nada da vida”, como ela as chama - que supostamente passam a vida toda atrás de homens, que não trabalham e não cuidam de si próprias, cujo único objetivo é encontrar um milionário que “cuide bem delas”. Porém, esse também é um estereótipo, e um bem machista por sinal.


É a encarnação contemporânea das ideias do século 18 que mostram mulheres como seres passivos, subordinados, como objetos ornamentais, muitas vezes fúteis e materialistas e, literalmente, a propriedade dos homens. Invocar esse estereótipo tem como objetivo colocar a Ronda em um distinto subconjunto de mulheres “aceitáveis”: ela é uma mulher, mas não é uma daquelas mulheres.


Isso é algo que Molly Lambert, colunista e ex-escritora do blog Grantland, diz ser “a menina no clube dos meninos” – isso é, de certa maneira, uma tática de sobrevivência, e uma empregada particularmente por mulheres em ambientes sexistas ou dominados por homens. E a UFC – na verdade, esportes de combate no geral – é com certeza essas duas coisas.


Nesses espaços é fácil sentir que a única maneira de sobreviver, e talvez prosperar, é denegrindo um determinado tipo de feminilidade. Embora isso possa parecer empoderador para o indivíduo no momento, essa é uma tática que em última análise se baseia em reforçar estereótipos de gênero (os comentários de Rousey sobre Fallon Fox, uma lutadora transexual, também foram igualmente problemáticos), sacrificando o coletivo para o benefício do indivíduo.


De fato, o próprio esforço de Ronda Rousey para o seu sucesso profissional não significa que ela tenha qualquer empatia pelas mulheres que lutam por igualdade salarial, e seu apoio a Bernie Sanders, candidato à presidência dos Estados Unidos que se intitula "socialista democrata", também não.


Em outubro desse ano, Rousey explicou seu ponto de vista para um repórter australiano sobre a disputa de salário das Matildas, time de futebol feminino da Austrália, e a persistente disparidade de salários entre homens e mulheres nos esportes.


“Eu acho que o quanto você é pago tem que estar relacionado com quanto dinheiro você traz. Eu não sou a lutadora mais bem paga só porque o Dana White e o Lorenzo Fertitta (promotores da UFC) quiseram fazer algo legal para as meninas”, ela disse com sarcasmo. “Eles me pagam mais porque eu entrego os números mais altos. ” Nada de solidariedade aí.


Previsivelmente, muitos blogs de esportes e espectadores de todo o mundo adoraram os supostos insultos de Ronda Rousey contra a mulheres. Talvez, porém, não seja tão surpreendente que o tipo de feminismo que emerge da elite de um esporte tão lucrativo e ultracompetitivo – se é que isso pode ser chamado de feminismo – seja quase essencialmente neoliberal.


De qualquer forma, embora as políticas de gênero da Ronda Rousey sejam altamente questionáveis, em alguns aspectos seu físico é um argumento por si só. Ela é uma prova viva contra a ideia prevalecente de que mulheres são inerentemente inferiores fisicamente. E esse fato sozinho já faz valer a pena assista-la em um domingo.



* Tradução de Vanessa Ribeiro.

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