Você abandonaria seu bebê numa sacola em uma rua deserta?
- Gabriela Moura
- 8 de out. de 2015
- 3 min de leitura

Ilustração por Raquel Thomé.
* Texto originalmente publicado na página Nada sob controle, revisado por Caroline Plácito
Debates sociais são problemas de ciência: Direito, Serviço Social, Comunicações, etc. Não de achismo. Não de analisar UM fato sob um ponto de vista pessoal. Você abandonaria seu bebê numa sacola em uma rua deserta? Óbvio que você dirá que não, mas isso porque certamente você nunca esteve neste lugar: ser mulher pobre, sem pais, sem amigo e sem apoio do cara que gozou dentro e deu no pé no dia seguinte OU te maltratava tanto que você teve que fugir, mudar de nome, com uma mão na frente e outra atrás para não ser degolada. Saiam do Jardins, do Leblon, do (insira aqui um bairro nobre ou classe média de sua cidade) e vejam quanta pobreza há nos locais que vocês desviam no GPS.
É preciso pensar gênero sim, porque quando alguém noticia que encontraram um bebê em uma sacola, ninguém se dá ao trabalho de perguntar onde está o pai dessa criança e por que ele também não está sendo responsabilizado. Esse foco é perdido por quem gasta tempo xingando a mulher de vadia.
Leiam as matérias e busquem os personagens das histórias.
Estou dizendo que pra a gente, por mais que fosse difícil criar um filho caso fossemos surpreendidos com um bebê não planejado, ainda teríamos condições de racionalizar, coisa que essa moça nao pôde ter.
A mulher do caso de ontem era empregada doméstica amedrontada com os patrões. Deve ser uma mulher sem muita instrução e que não sabia que existe a opção de abrir mão da guarda e entregar o bebê para um abrigo, porque muita gente acha que isso é crime também, e pode causar flagrante. Porque, olha, informação fundamental que não chega a quem precisa não é novidade.
O seu ponto de vista de quem diz que essas mulheres merecem morrer é de alguém que claramente não sabe o que é passar necessidade com filho pequeno.
Pra quem vê nessas situações de pura crueldade ou descaso delas, é necessário olhar todos os lados da história. Abuso, pobreza e desinformação. Entregar um bebê para adoção não é simples. Não basta ir a um lugar, deixar e beijo-tchau.
É preciso dar explicações, passar por avaliação para que sejam descartadas doenças mentais, uso de drogas. Há o contato com o restante da família para que se veja se o bebê pode permanecer nesta família, sob os cuidados de avós, tios, pai da criança.
Um processo longo, burocrático. Agora imagina segurar essa barra sozinha. Sem o outro genitor da criança, sem seus pais, sem amigos. E há muuuuito julgamento porque quem recebe esses bebês também critica e acha que é cruel abandonar o bebê num lar.
Pessoas pobres ainda são pessoas, não lixo, por mais que muita gente os trate assim. Ninguém é coitadinho, mas em uma situação de disparidade social, há, sim, pessoas vitimizadas por pobreza, desinformação, baixa empregabilidade, empregos em condições sub-humanas, serviços básicos ruins e uma grande teia social formada por poder e dinheiro controlado por poucos.
Planejamento familiar é um direito assegurado pela Constituição Federal:
O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas (CC, art. 1565, §2º).
Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (CF, art. 226, §7º).
Ou seja, se você paga serviços particulares como saúde e educação por questionar a qualidade de serviços públicos, porq ue espera que o pobre alcance o mesmo patamar que você em opções de vida contando com algo ruim, enquanto você usufrui bons hospitais de planos de saúde caros e leva seus filhos em escolas caras dentro de carros caros?
Inclusive vocês que têm filhos E empregadas com filhos: o seu filho e o da empregada têm acesso aos mesmos meios de desenvolvimento? Onde está o filho da empregada enquanto ela cuida do teu?
Em tempo, se pra você seu estilo de vida é merecido e pago com o suor do teu trabalho, já reparou na condição de quem trabalha servindo você?
Ponha aí nessa conta: empregados domésticos, faxineiros do seu escritório/faculdade, seus professores, sua manicure, o catador de latinha que pega do chão o que você jogou.

Foto: cenas do documentário "Doméstica", de Gabriel Mascaro
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