Mulher negra e o mercado de beleza: o caso Avon
- Gabriela Moura
- 19 de set. de 2015
- 4 min de leitura
A análise que farei será sob ótica de profissional de comunicação com dez anos de experiência em relacionamento com o público, como consumidora do mercado de beleza e como mulher negra.
Esta semana ocorreu o 20º Prêmio Avon de Maquiagem, evento que tem como propósito valorizar o trabalho de maquiadores enquanto artistas da beleza.
No dia 17 de setembro, a Avon anunciou os vencedores em sua página no Facebook e uma das imagens deu origem ao debate de hoje: a maquiadora premiada na categoria Editorial, Mychelle Pavão, pintou, literalmente, uma modelo loira com base marrom para simular uma mulher negra com vitiligo, numa clara alusão à modelo Winnie Harlow, que recentemente roubou a cena do mundo da moda ao quebrar paradigmas sobre beleza e “perfeição”.

“Esse politicamente correto não foi longe demais?”
Pessoalmente, compreendo que o termo “politicamente correto” é repetido por pessoas que querem manter o mundo como está hoje, com o combo de preconceitos e situações excludentes. Em vez deste termo, prefiro usar “ética”, especialmente no que diz respeito a trabalho.

Em sua defesa, a profissional alegou que preza pela diversidade, e que se baseou em ícones da moda, como Donatela Versace, Alek Wek, Cintia Dicker e a própria Winnie Harlow. Disse ainda que, sendo um dos jurados um negro, sabe que ele jamais aceitaria o trabalho se este fosse de cunho racista. Finalizou a mensagem com tímido pedido de desculpa àqueles que se sentiram ofendidos.
Aqui eu gostaria de abolir o termo “ofensa”. Se tantas pessoas se manifestaram na página da Avon, já está óbvio que o trabalho da bem intencionada maquiadora errou na mensagem que ela tentou passar, ou de sua definição de diversidade. Resta saber se foi por falta de conhecimento das aspirações das mulheres negras, falta de contato com diversidade durante sua formação profissional ou falta de bom senso – caso ela tenha tido acesso a tudo isso e apenas optado por ignorar. Mas não entrarei nesta seara. Abri mão do termo “ofensa” porque quero me afastar do tom emocional e partir direto para o debate profissional.
Empresa que trata Comunicação (Relações Públicas e Publicidade, por exemplo) como perfumaria, ou seja, como áreas que vão apenas enfeitar o nome da marca e torná-la sedutora e altamente vendável, corre o risco de derrapadas homéricas como a da Avon. Comunicar é dialogar com seus públicos – consumidores, fornecedores, funcionários, parceiros, patrocinadores. Ouvir o que o outro tem a dizer e decodificar estas mensagens em vez de apenas jogar sujeira para debaixo do tapete, mandando o Social Media digitar três parágrafos de desculpas enfeitadas para acalmar a massa.
É necessário entender que este caso é consequência de um mercado de trabalho que não abraça a diversidade. A falta de mulheres negras nas faculdades de comunicação causa a falta de mulheres negras nos cargos de gerência e direção, que causa a falta de empatia a respeito da diversidade brasileira. O homem negro que, segundo Mychelle, atuou como jurado pode não compreender o tamanho do contingente de mulheres que poderiam se sentir excluídas ao se depararem com uma modelo branca fantasiada, literalmente, de negra.
Faculdades que tratam cursos de Comunicação como fábricas de robôs vendedores, naturalmente não formará profissionais críticos e atentos a estas situações.
O curioso é que a Avon tem um histórico de campanhas sobre mulheres: prevenção ao câncer de mama e combate à violência doméstica, por exemplo. Este ponto me faz questionar como são feitas estas campanhas e o acompanhamento das mulheres atendidas por elas, e até que ponto vai a “preocupação” da marca com este grupo, que é seu público-alvo.
“O preconceito está nos olhos de quem vê”
Se eu não sou cadeirante, eu não saberei as dificuldades de uma pessoa com deficiência em ambientes não inclusivos. Se eu não sou uma pessoa pobre com uma doença grave, eu não saberei a dificuldade de doentes na fila do atendimento público. Se não se é negro, não é possível ver de longe as situações de pessoas negras no mercado de trabalho.
Temos um hábito cultural de nos preocuparmos com o outro por alguns minutos e depois seguirmos nossas vidas.
Usar uma modelo negra com vitiligo seria o esperado. Ou, caso a opção fosse pela modelo branca, o fato de pintá-la com bases escuras em simulação a uma condição de pele, não deveria ser algo a se passar pelas cabeças mesmo da mais insensata pessoa, pois é claro que esta alusão remete ao deboche facilmente.
“Vamos?” vamos para onde, Avon?
Eis a retratação da empresa:
Nós, Avon, empresa que há mais de 100 anos defende e valoriza o empoderamento feminino, decidimos retirar uma foto do nosso Facebook, ontem, dia 17/09. Estamos conscientes de que a imagem publicada gerou desconfortos que não estão alinhados com os nossos valores básicos relacionados ao respeito à diversidade. Reafirmamos que o objetivo não foi a apropriação cultural ou qualquer mensagem pejorativa e entendemos que falar de DIVERSIDADE é um desafio que demanda uma aprendizagem contínua e sensibilidade. Agradecemos a todos aqueles que nos alertaram para esta questão e principalmente por nos dar a oportunidade de uma nova conversa. Quando marcas e pessoas que buscam uma sociedade melhor se unem, coisas incríveis acontecem. Vamos?
Não, não vamos. O Brasil é um dos maiores consumidores de produtos de beleza do mundo. Meu armário está, sim, cheio de Avon. O folheto é incrível, as ofertas são ótimas, e a marca segue sendo uma opção muito boa para quem não quer ou não pode gastar muito. Mas tendo outra opção, a Avon deixará de ser a minha preferência.
Então, sob uma perspectiva realista, é capaz de a Avon não estar exatamente preocupada com a repercussão negativa de sua presepada. Entretanto, o fato foi importante para tirar da zona de conforto todos os profissionais envolvidos neste mercado, para que entendam que podem ser mais que engrenagens repetidoras de movimentos frios e mantedoras do status quo. E um chacoalhão em consumidores que fiquem atentos com a conduta das suas marcas de confiança.
Você quer continuar dando seu dinheiro a uma empresa com atitudes racistas?
Mychelle, apesar de seu pedido de desculpas que mais pareceu uma birra de uma moça mimada “Não fui racista, não!”, segue sendo a vencedora. Venceu em cima de uma conduta altamente questionável. Mas ela é só o reflexo de toda uma cultura que já tem por padrão ignorar o poder de consumo da população negra.

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