Suicídio: o que você tem a ver com isso? Redes de cuidado e prevenção
- Sueli Feliziani
- 7 de set. de 2015
- 4 min de leitura
Aviso de Conteúdo: suicídio.

Uma pessoa no Brasil a cada 45 minutos. Uma no mundo a cada 45 segundos. Parece pouco, mas para cada suicidio há pelo menos 6 tentativas frustradas. A média mundial é de nove tentativas para um sucesso. Pessoas tentando suicídio e não conseguindo não estão chamando a atenção. Elas estão tentando morrer mesmo. Só que, assim como viver, morrer é difícil.
Por quê? Vários motivos.
Existe a política da vida a qualquer custo. Pessoas sem prognóstico positivo para doenças incuráveis são obrigadas a conviver com sintomas e sequelas incapacitantes por conta de uma política para a vida que ignora a qualidade dessa vida.
Existe a questão moral e filosófica da nossa sociedade sobre a quem pertence a vida. Existe a insistência das famílias em manter o suicida vivo, mesmo que essa vida não seja o que ele deseja e que cada dia vivo seja uma agonia.
Mas existe também uma organização social de preservação da vida de pessoas com percepção alterada sobre a própria existência.
E é sobre isso que eu gostaria de falar.
Para além da questão filosófica de se a vida é um bem individual do qual se possa dispor ou não, há uma série de condições mentais e físicas que nos tiram a vontade de viver. O desejo de autopreservação é uma prerrogativa natural controlada por elementos como ambiente, neurotransmissores, saúde cerebral e craniana. Interfira em um desses fatores variáveis de modo crítico e essa prerrogativa está em cheque.
Transtornos da identidade, neurotransmissores alterados ou inexistentes, quadros prolongados de luto que evoluem para depressões crônicas, algumas formas de esquizofrenia, sequelas de traumatismos cranianos, as razões são inúmeras, o resultado pode ser um só... morte.
Quadros reversíveis de ideação suicida precisam de quatro elementos para seu tratamento: alteração ou normalização da variável crítica [neurotransmissores, ambiente, saúde craniana, etc], atenção psicológica, vigia suicida [sim, suicidas em potencial precisam ser vigiados por um tempo], e cuidado afetivo.
Resolvidas as questões de cuidado médicas imediatas que levariam uma pessoa ao suicídio, existe o tempo de resposta. Durante esse tempo de resposta o suicida precisa de cuidado afetivo e vigia para que não ceda aos constantes apelos de sua psique quebrada.
Isso só é possível com um suporte familiar forte ou rede organizada. Ou com vigia institucionalizada.
Mesmo um suicida aparentemente funcional em outras esferas vai acabar internado no sistema, incontáveis vezes, sem esse apoio organizado de família e amigos. Qualquer pessoa que adentre um hospital com suspeita de intoxicação exógena, ou ferimento letal autoinfligido, será encaminhado para uma instituição "para sua própria segurança" caso more sozinho ou não possua familiar responsável por seu tratamento.
Nesses casos, o isolamento, a falta de contato afetivo, a falta de âncoras com o mundo externo e o contato com outras patologias com sintomatologia aguda só aumentarão a ideação e a sensação de não pertencimento.
Não estou dizendo que vigia suicida institucionalizada não seja necessária em casos de abando familiar. Só digo que não é a melhor das alternatias se o objetivo é apoiar um potencial suicida na sua fase de resposta e volta ao mundo dos "vivos".
Por isso, se você é amigo, parente ou colega de um suicida, faça parte de sua Rede.
Uma Rede de suporte começa com a pessoa que se responsabiliza perante o hospital por sua vigia e cuidado medicamentoso e se extende às pessoas que doam um pouco de tempo para não deixar o suicida sozinho no período de resposta. Passe para assistir um filme enquanto o cuidador toma um banho ou sai para um passeio. Leve o suicida para uma caminhada ou acompanhe em uma atividade durante as horas de trabalho do cuidador principal. Crie com os outros amigos escalas de cuidado para aquele brother que sempre esteve ali com você.
Uma hora ou duas do seu dia podem fazer a diferença na vida de alguém. Ajudar familiares e amigos no revezamento dos cuidados com o suicida pode ser de grande efeito em tratamentos em longo prazo.
Redes de cuidado fazem parte de um pensar o cuidado dos pacientes não como uma responsabilidade particular de família e cônjuges, mas como uma responsabilidade geral de uma sociedade para com seus doentes. Fazem parte de um projeto maior que pense nos cuidados de saúde mental e antissuicídio como parte da rotina de atenção à saúde, assim como a medição de taxas de glicose e a diminuição de sal das comidas. Um projeto que preveja o fim dos hopsitais psiquiatricos, dos depósitos de gente, de uma humanização real dos cuidados delegando-os aos humanos e não às instituições.
Sim, que a nossa sociedade aprenda a lidar com a loucura que ela mesma produz. Não nos jogando nos quartos, nas celas, ou dos telhados, mas nos reensinando a conviver.
Agradecimentos desse post vão pra minha Rede:Gabriel Feliziani Hermes, Mariana Lacerda, Cláudio Manculi, Nilson Ikejima, Dri Quedas, Rodrigo Albuquerque, Eduardo Brito, Elaine Alves Curaçá, Renata Alves Curaçá e Simone Dos Santos Silva.
Agradecimentos postumos:Tilene Carneiro,Marina Campos e aos aqueles dos próximos 45 minutos
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