top of page

Não precisamos do perdão do papa

  • Gabriela Moura e Bruna Leão
  • 3 de set. de 2015
  • 4 min de leitura

Conforme muito noticiado, recentemente o Papa Francisco anunciou que todos os padres terão o poder de perdoar “o pecado do aborto” em celebração do Jubileu da Misericórdia, que ocorre entre os anos de 2015 e 2016. Ou seja, é uma concessão temporária.


Isso porque, de acordo com o monopólio do poder de perdão católico, somente alguns padres são legitimados a conceder o perdão divino à mulher que tenha realizado o aborto, tamanha a gravidade desse pecado. O que o Papa fez, portanto, foi conceder temporariamente esse poder a todos os padres.


Esse gesto foi visto como sinal de “progresso” da Igreja Católica em lidar com o tema e tem sido aplaudido, inclusive por feministas. Temos aqui um problema.


Não é exagero dizer que a Igreja Católica é um dos principais entraves à luta feminista. Foi essa igreja que sistematicamente inferiorizou a mulher, colocando-a sempre à sombra do homem, e que segue uma cartilha que prega a submissão feminina. Falando especificamente do aborto, é a igreja católica que influencia o debate sobre o tema, sempre no sentido de retirar a autonomia da mulher em decidir sobre o próprio corpo.


O aborto somente é visto como crime porque a Igreja Católica considera que temos uma alma desde a concepção. A partir disso, começou a defesa de que, desta vez, a vida se inicia na concepção. O que houve foi a transformação de um argumento religioso em jurídico, ganhando, assim, toda a legitimidade e força que argumentos jurídicos possuem. E funcionou. Ignorou-se qualquer direito à liberdade, autonomia, dignidade da pessoa humana que a mulher tenha e deram tutela jurídica absoluta ao “direito à vida” de um ser que sequer é uma pessoa.


Assim, temos uma legislação que, baseada em preceitos religiosos, condena à morte milhares de mulheres que se submetem ao procedimento de interrupção voluntária da gestação, uma vez que não encontram assistência para realizá-lo de forma segura.


A igreja vai pedir perdão por isso? Não.


Mas resolvem perdoar as mulheres que realizaram um aborto. As que sobreviveram, é claro.


Papa Francisco charge

Absolutamente incoerente, mas esse nunca foi o forte da igreja.


O que surpreende, no entanto, são as que esquecem todo esse contexto apresentado e veem esse “perdão” como benevolência.


Não há sentido pra tamanha felicidade em receber migalhas, ainda que se leve em consideração o tamanho e o poder da Igreja Católica. Aliás, isso não é nem mesmo migalha, mas paternalismo puro e simples.


A quem serve o acalento temporário? As políticas públicas de saúde abrangem toda a população, e não fiéis de uma determinada crença, o que torna a fala do Papa contraproducente e apenas mais uma intervenção masculina no corpo feminino. O tal perdão é, na prática, absolutamente inútil às mulheres, que seguem morrendo ou convivendo com sequelas físicas e psicológicas após abortos clandestinos.


Vale lembrar, também, que ainda que mulheres católicas possam se sentir eventualmente mais confortáveis, continuam debaixo de dogmas que tomam conta de seus corpos, e ainda sob a mira do julgamento social fora da Igreja.


Nosso trabalho deve ser sempre o de reconfortar as mulheres que por ventura se sentem culpadas por ter realizado um aborto, católicas ou não, dizendo que elas não tem que se culpar por isso.


Não há o que perdoar.


Não há que se pedir perdão a ninguém e muito menos à instituição diretamente responsável pela clandestinidade do aborto.


"Basta de rosários em nossos ovários -

O direito de decidir sobre nossos corpos não é uma questão de fé.

É uma questão de democracia"


O Papa Francisco é um chefe de Estado, o que significa que a ele cabem obrigações de chefe de Estado, tais como ações diplomáticas que visem acalmar os ânimos da população e o controle social para manutenção da ordem. Não é de se surpreender que, diante de tensões mundiais, a Igreja tenha selecionado alguém que vista o personagem de candura utilizando da espiritualidade para prover conforto a um determinado grupo. Principalmente levando em consideração a fragilização do poder da igreja na atualidade e a consequente necessidade de fortalecimento pela angariação de mais fiéis.


O problema é a crença extrapolar os limites pessoais e atingir a política, pondo seus dogmas em assuntos que pautam a vida de todas as pessoas.


Ao invés de aplaudir a bondade do papa, que nos esforcemos para que mulheres percebam que não precisam se sentir culpadas por terem realizado um aborto. Que percebam que esse é um direito que temos, apesar de não ser reconhecido (ainda) pelo Estado brasileiro.


Não precisamos do perdão do Papa. Precisamos que a Igreja Católica pare de ditar regras em nossas vidas. Meu útero é laico!


PS.: Após a publicação deste texto, tivemos a notícia de que a Coalizão Nacional das Freiras Norte-Americanas se pronunciou sobre as declarações do Papa. Destacamos, aqui, a seguinte passagem do documento:


A Coalizão Nacional de Freiras Norte-Americanas reconhece o desejo do Papa em ser pastoral e que fazer essa declaração sobre o aborto possa parecer positivo, ao remover a excomunhão e a necessidade de se confessar a um bispo. Entretanto, as mulheres não consideram essa nova diretriz muito afirmativa porque:


1. Não respeita a autoridade moral que as mulheres têm para tomar decisões sobre suas próprias anatomias reprodutivas.


2. Ainda considera essas decisões tomadas por uma mulher como pecaminosas.


3. Não reconhece que o esperma dos homens produziu essa gravidez não planejada.


4. Apenas serve para destacar o fato de que as mulheres deveriam ser consideradas dignas de todos os sacramentos.


5. Dá continuidade à prática de homens proclamarem o que é certo e justo para as mulheres.




papa francisco


Texto revisado por Katia Kreutz.

Comments


Comentários

leia também:

bottom of page