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O que privilégio significa (e o que não significa)

  • Maisha Z. Johnson
  • 13 de ago. de 2015
  • 17 min de leitura

Estou bem de saco cheio de privilégio. Mas isso não significa que eu odeie pessoas privilegiadas.


Quando escrevo sobre os privilégios que certos grupos tem, algumas pessoas -geralmente aquelas pertencentes ao grupo que escrevo sobre- ficam bravas ou chateadas.


Por exemplo, se digo quão cansada estou de como o sistema de privilégio branco exclui e prejudica pessoas não brancas, algumas pessoas me acusam de ódio aos brancos.


Só tem um problema: se você fica irritado quando alguém ressalta que você tem privilégio, isso provavelmente quer dizer que você não compreende completamente o que de fato é privilégio.


Porque se você pensa que ter privilégio significa que você é uma pessoa ruim, ou que você não enfrente dificuldades, ou que você não teve que trabalhar para conseguir o que tem, entendo completamente porque você ficaria frustrado. Se fosse esse o caso, então, sim, seria completamente injusto eu assumir que todas as pessoas brancas, ou todas as pessoas heterosexuais ou de qualquer outro grupo dominante tenha uma vida fácil as custas de seus privilégios desmerecidos.


Mas ser privilegiado não quer dizer nada disso.


Infelizmente, equívocos comuns sobre privilégio são tão amplamente difundidos que frequentemente fecham todas as portas de oportunidade que temos para entender e prestar contas de nossa parte nos sistemas de injustça social.


Algumas pessoas dizem que ativistas nem deveriam usar a palavra "privilégio" porque ela imediatamente impede conversas com aliados em potencial, que podem se sentir culpados, acusados ou mesmo atacados pela mera menção da palavra.


Mas falar sobre privilégio não é pra ser algo confortável.


Na verdade, o desconforto que você sente pode ajudar a criar consciência da desigualdade e se avaliar quando estiver apoiando a causa.


Nunca vamos poder mudar as maneiras que contribuímos diáriamente para a injustiça se não pudermos falar de nossos própros privilégios - se automaticamente rejeitarmos a ideia que ele se quer existe porque não o entendemos.


Cada um de nós (sim, até mesmo os mais desprivilegiados) tem uma identidade que se beneficia da exploração de outro grupo, então se recusar a encarar seu próprio privilégio ajuda a manter a opressão exatamente onde está.


Mas aposto que se examinarmos o desconforto ao invés de evitá-lo, veremos que parte dessa inquietação que você sente vem na verdade de ideias errôneas sobre o que privilégio não é.


Para começar, aqui temos o que Sian Ferguson nos deu como definição básica de privilégio: "um conjunto de benefícios não merecidos, dados à pessoas que se encaixam em certo grupo social".


Daqui para frente, os detalhes ficam cada vez mais complexos. Aqui está o que privilégio é, e não é.

1. Ter privilégio não significa que você

é uma pessoa ruim

.

O fato de que você tem benefícios que outras pessoas não tem é bem grotesco. Então quando alguém diz que você tem privilégio, pode parecer que estão te acusando de deliberadamente roubar de grupos mais oprimidos.


Se você está fazendo um esforço para combater opressão ativamente, o sentimento é ainda pior - como se estivesse tentando seu melhor, mas as pessoas ainda te acusam de fazer algo errado.


Mas ter privilégio não é deliberadamente exigir algo - é sobre as circunstâncias da sua vida que te dão benefícios os quais você nunca pediu.


Por exemplo, eu tenho o privilégio como pessoa de corpo capaz. Eu não quero viver em um mundo onde tenho acomodações que pessoas com deficiências físicas não tenham acesso, mas a verdade é que eu vivo.


Isso não é culpa minha. Mas eu reconheço que me beneficio deste privilégio e que deveria fazer algo a respeito, porque todos merecem acesso a recursos e acomodações básicas.


Além disso, levar o sistema de discriminação para o pessoal, como se fosse algo que eu estou fazendo errado, nos distrairía do real foco de quando se fala de privilégio: Acabar com a opressão.



Para ser um aliado que de fato apoia e contribui, não podemos focar a atenção apenas na minha própria culpa - preciso ajudar a centrar as vozes das pessoas com deficiências físicas que espalham conhecimento e consciência sobre como pessoas como eu podem fazer melhor. A liberação deles é o que os direitos aos deficiêntes é.

2. Ter privilégio significa que existe todo

um sistema atuando

Privilégio não é sobre indivíduos sendo pessoas ruins, mas é sobre todo um sistema que favorece certos grupos e prejudica outros.


Estes sistemas - como classismo, sexismo, supremacia branca, etc - tem apoio estrutural de leis, da mídia e de políticas que afetam nosso dia a dia. A maioria de nós não é ensinado sobre o quanto estes sistemas são uma parte influênte no modo como o mundo funciona.


Aprendemos que todos podem trabalhar e receber recompensas, e colocar a si mesmos pra cima com o suor da própria testa para ganhar renda e ser uma pessoa decente e ter respeito.


Então descobrir que seu privilégio te dá uma vantagem logo de cara para conquistar estas coisas pode ser chocante - essa descoberta desafia tudo o que você achou ser a verdade.


É por isso que, até certo ponto, faz sentido você não estar consciente do seu privilégio, e mesmo assim é dificil se acostumar com a ideia de tê-lo.


O negócio é que eu não sou obrigada a saber que tenho privilégio em relação à pessoas com deficiências físicas, ou mesmo qual meu papel como privilegiada para sobreviver - que por si só já é parte do meu privilégio como pessoa de corpo capaz. Posso fazer coisas como encontrar um apartamento que acomodem minhas necessidades físicas sem me preocupar com a possibilidade de que um locatário me discrimine.


Mas graças ao trabalho árduo de ativistas e advogados da causa de pessoas com deficiências, eu sei que o sistema de privilégio para pessoas com corpos capazes existe - ou seja, se eu não me comprometo a aprender e a não intencionalmente evitar contato com a causa, eu provavelmente estou causando um mal sem intenção.

3. Ter privilégio não significa que você não é

oprimido em outras esferas sociais

"Eu não me sinto privilegiado"


Já ouvi isso várias e várias vezes de pessoas que ainda estão aprendendo sobre seus privilégios. E na real, eu acredito.


Não somos ensinados a ser conscientes de nosso privilégio (nos deixar no escuro é parte do que mantém o sistema de opressão no lugar) e existem vários tipos de sistemas de opressão afetando a todos nós.


Ou seja, ter um tipo de privilégio não quer dizer que você não seja oprimido de outras maneiras.


Muitas pessoas brancas e pobres quando descobrem que são privilegiados, por exemplo, resistem à ideia porque tiveram dificuldades financeiras - o que não deixa a vida fácil, claro. É dificil compreender como você pode se beneficiar de um privilégio quando você sabe o que é passar desgraça.


Seu privilégio branco não apaga sua luta.


Assim como a supremacia branca é um sistema que prejudica pessoas negras, o classismo também é um sistema real que afeta a vida de pessoas brancas e pobres de uma maneira muito séria e real.


Então se você é branco e pobre, é claro que você não desfruta dos benefícios que as pessoas ricas tem. Diferente de aguém que pode facilmente comprar comida, você pode estar mantendo e alimentando sua família de uma maneira arriscada e perigosa, talvez até mesmo praticando atos ilegais como roubar.


Mas isso não significa que você não tem privilégio por ser branco - por exemplo tendo uma change menor de ser preso, encarcerado ou morto por estar se arriscando ilegalmente.


4. Privilégio pode vir de várias formas -

assim como a opressão.


Para muitas pessoas, opressão aparece de várias maneiras.


Por exemplo, toda pessoa pobre encontra barreiras quando procura emprego, como a impossibilidade de comprar roupas que caiam no aceitável para um look "profissional" para o espaço de trabalho.


Mas uma pessoa pobre e negra precisa lidar com a discriminação racial que faz com que um potencial empregador seja mais inclinado a dar a vaga de emprego a um candidato branco do que conceder-lhe uma entrevista. Uma mulher pobre também enfrenta o sexismo no ambiente de trabalho quando potenciais empregados a julgam como menos competente e menos "empregavél"que um homem.


Isso não significa que um homem branco e pobre necessariamente consegue emprego fácil - porque ele ainda precisa lidar com a opressão classista. E ele pode ainda ter que enfrentar outras discriminações baseadas em outras identidades, como por exemplo homofobia ou gordofobia.


Mas sistemas de opressão não acontecem isolados. Eles trabalham juntos dentro de um sistema maior chamado Kierarquia (1).


Então se uma mulher preta e pobre estiver procurando emprego, classismo, racismo, e sexismo tudos juntos irão prejudica-la.


5. Privilégio não é uma competição para determinar

quem é o mais oprimido.


Toda essa conversa sobre múltiplas formas de opressão pode lhe soar como a Olimpíada da Opressão.


Sou uma mulher negra e queer - posso ganhar o ouro nessas olimpíadas?


Não, mas agora falando sério. Existem muitas pessoas que tem dificuldades e desvantagens que eu não tenho, e eu tenho dificuldades e desvantagens que outros grupos de pessoas não tem ideia de como são.


O propósito de falar sobre privilégio não é quem é o vencedor por ser mais oprimido - isso me soa como um jogo em que todos perdem de qualquer maneira.


E não estou dizendo que pessoas privilegiadas não merecem apoio.


Por exemplo, algumas feministas acreditam que interseccionalidade dilui o movimento porque tira o foco do sexismo para focar em outros problemas como racismo, transfobia, classismo, etc.


Mas expandindo o foco para apoiar todas as pessoas que são prejudicadas pela desiguadade de gênero - não apenas mulheres brancas, cisgênero, hetero - não significa dizer que essas mulheres não são importantes ou que seus problemas não são preocupações reais.


Interseccionalidade é dizer que mulheres brancas, cisgênero, heterosexuais não tem o único problema que o feminismo engloba.


Então se você é uma dessas mulheres, você não tem que abrir mão de falar sobre suas experiências pessoais com o sexismo - mas você é responsavel por explorar seu prórprio privilégio como parte de sua luta contra a injustiça social.


6. Ter privilégio significa que você pode oferecer apoio para os grupos mais vulneráveis entre nós, e fortalecer a luta.


Feminismo interseccional é um ótimo exemplo de como um movimento que reconhece privilégios é mais forte do que aquele que o ignora.


Podemos aprender com esse modelo de crescimento e checar nosso próprio privilégio sem apagar nossas dificuldades pessoais.


Veja o movimento LGBTQIA+ por exemplo.


Até pouco tempo atrás, casamento era parte do privilégio hétero nos Estados Unidos. Muito tempo, dinheiro e recursos foram gastos na luta para conseguir igualdade civil e alcançar essa vitória foi muito importante para pessoas queer que querem se casar.


Mas o direito ao casamento não faz diferença nenhuma em outros problemas que afetam a comunidade LGBTQIA+, como maiores taxas de suicídio, ou que mais de dois terços das vítimas de homicídios dessa comunidade são mulheres transgênero negras.


Contemple como seria se um pouco dos recursos e atenção dada à iguladade civil do casamento fosse redirecionada para apoiar as pessoas mais vulneráveis da comunidade LGBTQIA+ por estarem em intersecções de desigualdade, ao invés de apoiar apenas os mais privilegiados.


Como lidaríamos com estes outros problemas? Teríamos que mudar a raiz das causas do sistema que dá à pessoas hetero, brancas e cis privilégios em relaçao às pessoas queer, negras, trans e não binárias.


Como, por exemplo, mudar crenças culturais sobre normas de gênero, prover recursos para pessoas que lutam contra a pobreza e a discriminação e oferecer alguns dos mais de 1.000 benefícios disponíveis para pessoas casadas, à todos que precisem deles, incluindo pessoas que não querem ou não podem ter um casamento legal tradicional.


Essas mudanças ajudariam não só pessoas queer a terem o direito de se casar, mas também qualquer pessoas que não segue perfeitamente as regras de gênero impostas pela sociedade - tipo, todo mundo.


Essa é mais uma beleza de focar a luta em justiça para todos, não só pessoas que tem privilégios.

7. Ter privilégio não significa que você não se esforçou

ou trabalhou duro, ou que deveria se sentir mal por ser

bem afortunado


Digamos que você é um homem que tem sucesso competitivo no campo de disciplinas acadêmicas (ciência, tecnologia, engenharia ou matemática - STEM). Você está feliz com o dinheiro e reconhecimento que você lutou para conseguir, sentindo-se orgulhoso de seu trabalho, e então chega alguém e te diz que seu privilégio por ser homem te ajudou a chegar onde está hoje.


Você fica estarrecido com as implicações deste fato - estão dizendo que eu não trabalhei duro pelo que tenho? Ou que deveria me sentir culpado por ser afortunado?


Não. A verdade é que crenças sexistas desencorajam meninas e mulheres a se interessar e perseguir carreiras em tais disciplinas acadêmicas, te dando mais acesso a este campo do que qualquer mulher.


Mas isso não significa que você não merece seu sucesso. Significa que todos merecem acesso ao que você tem, independente de gênero.


Ninguém deveria ser desencorajado ou excluído de nenhum campo do conhecimento por causa de quem se é.


8. Ter privilégio significa que muitas pessoas não podem acessar o que você tem, não importa o quão duro trabalhem para consegui-lo


É claro, dá trabalho para conseguir sucesso em qualquer campo, não importa quem você é.


Mas para algumas pessoas, sistemas de opressão mantém o sucesso fora de alcança mesmo que a pessoa trabalhe muito para chegar nele.


Pessoas que aos olhos da sociedade são femininas por exemplo, são bombardeadas a vida inteira por mensagens que lhes dizem que elas não são inteligentes o suficiente ou boas o suficiente em matemática ou ciência para perseguir carreiras em STEM.


Mesmo que elas conseguam superar as mensagens e ir atrás de uma carreira em STEM, elas ainda enfrentarão a cultura misógina que desvaloriza suas habilidades e as trata como menos capazes e menos inteligentes que as pessoas percebidas como masculinas.


Algumas pessoas dispensam a ideia de privilégio apontando casos de exceção à regra.


Por exemplo, LaNell Williams recentemente se graduou em um bacharelado de física e está começando um mestrado e PhD no outono. Como uma mulher negra ela passou por ambas as barreiras de discriminação sexista e racista que mantém mulheres e pesoas negras fora do campo acadêmico da física. Então, ela está provando que é possível para uma mulher negra ter sucesso.


Mas considere o contexto: em 39 anos, os doutorados da academia americana de física foram conquistados por 66 mulheres negras americanas - enquanto 22.172 homens brancos conseguiram o mesmo. WIlliams é uma grande exeção.


Claramente, não é só trabalho duro que determina suas chances de conseguir um destes doutorados.


As circunstâncias de ser um homem branco te dá vantagem além do esforço. E todos merecem uma chance igual.


9. Ter privilégio não significa que você nunca foi diminuído por ter a identidade que lhe concede seu privilégio


É perfeitamente possível que você tenha sido diminuído em detrimento da mesma identidade que lhe concede certos privilégios - o que é outra razão pela qual privilégio não significa que você tenha a vida fácil.


Um exemplo é como os Estados Unidos é dominado pelo cristianismo em maneiras que muitos de nós nem percebem. Valores cristãos ditam ideias populares sobre coisas como nossas vidas sexuais - mesmo para pessoas que não são cristãs.


Enquanto cristãos são perseguidos em algumas partes do mundo, nos Estados Unidos eles tem benefícios como, por exemplo, ter a vasta maioria de políticos que lideram o país (tipo 100% dos nossos presidentes) com a mesma fé que eles.


Mas isso não significa que eles não tenham encontrado dificuldades por serem cristãos nesse país.


Em alguns círculos, incluindo a comunidade ativista, não é bem visto ser uma pessoa de fé - muitas pessoas foram caçoadas, desprezadas, ou não levadas a sério puramente por praticarem a religião.


Ninguém merece ser tratado desse jeito - e dar nome ao privilégio cristão não nega isso.


10. Ter privilégio se refere aos beneficios sistemáticos da sua identidade (mas a mesma identidade pode ainda estar atrelada a incidentes de preconceito)


Para muitas pessoas, a próxima pergunta que vem naturalmente é: se favorecer cristãos em detrimento de não-cristãos conta como opressão, então porque quando acontece uma manifestação de preconceito contra eles não é a mesma coisa?


E aqui está o porque: opressão sistêmica funciona no contexto da cultura dominante.


Nos Estados Unidos a religião dominante é o cristianismo.


Se alguém te discriminar por ser cristão, isso não é aceitável, e é um exemplo de preconceito religioso desta pessoa.


Mas do seu lado, seu privilégio cristão garante que você tenha folga do trabalho em seus feriados religiosos, e é muito provável que você encontre com facilidade "colegas de júri" que tem a mesma fé que você na hora de te julgar em um processo e instituições de ensino tendem a favorecem sua religião.


Estes são exemplos de apoio estrutural que você tem por viver em uma sociedade onde sua religião é considerada a norma.


Hindus, muçulmanos, ateus e outras pessoas não-cristãs vivem nesta mesma sociedade mas suas crenças não tem o apoio que a cristã tem em instituições de ensino, ou no local de trabalho ou mesmo no Estado.


Na verdade, elas tem que lidar com total discriminação, como aeroportos parando muçulmanos.


A influência massiva da opressão sistêmica é o que faz valer a pena desafiar o privilégio.


11. Ter privilégio não quer dizer que você não é

um indivíduo único


Você sente que estão generalizando quando mencionar seu privilégio?


Digo, o termo "pessoas brancas" é um grupo gigantesco de pessoas. Então, falar sobre privilégio branco como se todas as pessoas brancas do mundo tivessem a mesma vivência, parece pintar pessoas demais com o mesmo pincel.


Se você é um aliado branco que faz seu melhor para evitar ser racista, por exemplo, você pode se sentir insultado sendo agrupado com uma pessoa extremamente racista qua tem o mesmo privilégio branco que você.


Ter privilégio não apaga sua individualidade.


Existem pessoas brancas completamente conscientes de seu privilégio e que estão lutando ativamente para compensarem como podem. Existem pessoas brancas que não tem ideia nem o que a palavra privilégio significa. Existem pessoas brancas que sabem sobre ele e deliberadamente rejeitam a ideia em favor de ideias racistas.


Todas as pessoas brancas tem privilégio. Mas isso não significa que elas são todas iguais.


12. Ter privilégio significa participar em sistemas de discriminação de maneiras diferentes


Okay, eu acabei de dizer que privilégio não é sobre generalizar agora estou dizendo que todos participamos de sistemas discriminatórios - e aí? Permita eu desenvolver.


Sistemas como supremacia branca, colonização e xenofobia, todos precisam de nós para funcionar. E estudos mostram o que fazemos para reforçar esses sistemas, seja consciente ou inconscientemente.


Vejamos xenofobia - o medo de pessoas de outros países ou estados - por exemplo. Talvez você tenha nascido nos Estados Unidos e nunca pensou em atacar um imigrante só porque ele se mudou para cá.


Mas de alguma maneira, você acredita nos estereótipos sobre os imigrantes, como cirminosos e pessoas que vieram "roubar os empregos", então você votou em um candidato político que tem a proposta de "fronteiras seguras".


Ou você usa frases de micro-agressões em seu vocabulário como chamar alguém de "exótico" sem perceber porque isso é ofensivo.


Ou aquela uma vez que você não disse nada quando um dos seus amigos contou uma piada insensível e preconceituosa sobre pessoas de outros países.


Estas ações não são o mesmo que violência fisica, mas elas são maneiras que até pessoas "bem intencionadas" da cultura dominante contribuem em vários níveis para o sistema da xenofobia.


Caramba, até os próprios imigrantes podem contribuir para o sistema.


Eles fazem isso se policiando com pressões sociais para conformizar com a cultura americana, ensinando apenas inglês para seus filhos e se auto-constrangendo - como imigrantes negros podem internalizar racismo e questionar sua beleza ou valor.


A diferença é que quando pessoas oprimidas participam do sistema dominante, elas não ganham os benefícios que o grupo dominante tem.


Para abordar essa desigualdade, todos precisamos começar a acabar com toda nossa contribuição para a opressão estrutural.


13. Apontar privilégios não quer dizer odiar

pessoas que o tem.


Quando James St. James escreveu para o Everyday Feminism sobre exemplos de privilégios masculinos da perspectiva de um homem trans a resposta foi espantosa.


Tantos leitores não tinham se ligado em como a sociedade trata mulheres e homens tão diferente - porque muitos eram exemplos de sexismo sutil, que passam despercebidos. Isso inclui sexismo de pessoas que não notam que estão sendo sexistas.


Apesar do mito errôneo de que feminismo é sobre odiar homens, apontar o privilégio dos homens não tem como objetivo subjulgar os homens.


Trazer a atenção para as muitas (e frequentemente invisívies) maneiras que homens são mais respeitados apenas por serem homens nos ajudam a perceber que o oposto é real: mulheres muitas vezes não são respeitadas apenas por serem mulheres.


É obvio que você não precisa odiar homens para acreditar que pessoas de todos os gêneros merecem ser respeitadas.

14. Apontar privilégio significa dar suporte ao grupo privilegiado para que sejam vistos como inteiramente humanos (2)


Em geral, ter privilégio soa como algo muito suave - ter acesso a benefícios não merecidos parece um ótimo acordo.


Mas no fim o sistema de privilégios prejudica a todos nós, incluindo os grupos dominantes.


Esta é outra razão pela qual apontar o privilégio masculino é bem o oposto de odiar homens: Igualdade de gênero significa TODOS, incluindo homens, tem o apoio e suporte que precisam.


Para acessar os benefícios do privilégio masculino, homens precisam estar em conforme com ideias tóxicas de masculinidade. Eles estão cercados de mensagens como "homens não choram" ou "seja macho" configurando-os para alcançar uma expectativa muito prejudicial.


A verdade é que ninguém se encaixa perfeitamente nos papéis de gênero que a sociedade demanda de nós. A ideia de se encaixar nas normas de gênero para que sejamos de algum valor é nocivo para todos, mesmo aqueles de nós com privilégios.


Se livrar desses ideais tóxicos sobre gênero ajudaria todos a florescer como seus verdadeiros "eus" livre das expectativas impostas e regras rígidas da sociedade.


15. Ter privilégio não significa que seu privilégio é completamente separado das maneiras que você é oprimido.


Okay, agora que estamos começando a entender as complexidades sobre como o privilégio funciona, estou te jogando uma bola curva. Mas não desista ainda.


Privilégio em ser magro é um exemplo de como seus benefícios "desmerecidos" podem estar na verdade conectados com sua opressão.


Pessoas com privilégio em ser magro não precisam lidar com gordofobia - o medo do público de corpos gordos.


Mas todas as pessoas, incluindo pessoas magras, podem estar sucetíveis à "body shaming". Para mulheres, privilégio em ser magra está conectado com os ideais misóginos de beleza.


Essencialmente, uma mulher magra tem privilégio porque está mais perto da imagem de beleza que a sociedade tem - e está sendo objetificada, o que na real não é uma coisa boa.


Ter privilégio não significa que isto não seja parte da sua realidade.


16. Ter privilégio significa que seus benefícios

podem ser condicionais.


É possívle ter privilégios em algumas situações, mas não em outras.


Por exemplo, colorismo dentro das comunidades de pessoas negras dá à pessoas de pele mais clara benefícios que pessoas que tem pele mais escura não tem. Nossa sociedade percebe pele clara como mais atraente e menos intimidadora, porque é mais perto do ideal eurocêntrico de beleza.


Mas as mesmas mensagens que favorecem pessoas negras com pele mais clara em relação à pessoas de pele mais escura também faz com que pessoas negras de pele clara tenham desvantagem em comparação com uma pessoa branca.


Então, colorismo dentro de comunidades negras é um ciclo terrível no qual ninguém ganha.


Mas isso claramente também não quer dizer que pessoas negras de pele clara tem a vida facil, e reconhecer que privilégio de pele clara não é o mesmo que dizer que as pessoas que o tem nunca passam por dificuldades.

17. Ter privilégio não significa que não tem nada

que você possa fazer sobre isso.


Culpa é um sentimento que pode te deixar impotente para tomar ação.


Reconhecer seu privilégio pode fazer com que você se sinta desanimado, te deixar sentindo que não tem nada que possa fazer sobre isso.


Mas se você é um aliado branco e pessoas negras exigem que você reconheça seu privilégioo, elas estão te dizendo que você pode fazer alguma coisa sobre isso. Não apenas ficar remoendo seu sentimento de culpa por ser branco.


Assim como eu, como aliada cis, posso identificar oportunidades de quando melhor posso apoiar pessoas trans e não binárias quando alguém parte desta comunidade apontar, por exemplo, erros e ideias errôneas comuns que pessoas cis cometem.


Ao invés de culpa, você pode revidar seu privilégio com empatia.


Entenda o que impede todas as outras pessoas de ter acesso ao que você tem, e faça sua parte para diminuir a disparidade.


18. Ter privilégio significa que você TEM uma escolha

do que fazer com isso.


Isso tudo é bem complicado, mas a verdade é que todo mundo já tem um certo conhecimento sobre opressão - por causa de nossas experiências pessoais com as maneiras como somos oprimidos.


Eu sei sobre racismo, heterosexismo e misoginia porque vivo o impacto destes sistemas todos os dias.


Diferente de pessoas com privilégio branco, privilégio heterosexual, e privilégio masculino, eu não tenho escolha sobre querer ou não enfrentar essas formas de opressão ou não.


Quando olhamos para os meus privilégios por outro lado, eu tenho uma escolha se vou ou não me envolver. E você também.


Você pode se fazer de desentendido, aproveitar os benefícios dos seus privilégios e ignorar a desigualdade que prejudica pessoas que não são como você.


Ou você pode aceitar sua responsabilidade como aliado e usar seu privilégio para o bem.


Apoie políticas que dêem a todos acesso aos recursos que eles precisam e merecem. Centralize as vozes da pessoas que são marginalizadas em várias instâncias para que possam liderar o movimento às raízes da opressão estrutural que prejudica a todos nós.


***


Abraçe as realidades desconfortáveis do que realmente significa ser privilegiado. Essa é a empatia que pode ajudar a alimentar o fogo da mudança que, no final, beneficiará a todos nós.


É trabalho duro - e assim como ter privilégio não significa que a vida é facil, não vou dizer que navegar por ele será facil.


Mas tem algo que eu sei sobre você: como um ser humano, você passou por dificuldades, assim como todo outro ser humano passou. e, de algum jeito, você superou essa dificuldade.


Provavelmente até mesmo antes que você tivesse um nome para o que estivesse passando, ou um entendimento de como seus problemas se relacionam com a opressão.


Então, eu sei que você pode encarar duras realidades. Com o que você sabe sobre seu privilégio, você pode fazer o esforço para com cautela conhecer sua posição no mundo sem causar o mal aos outros.


Faça isso com compaixão à você mesmo, com empatia por outros e você estará em um bom caminho para fazer o melhor impacto possivel em sua própria vida e no mundo ao seu redor.



(1) O termo Kierarquia foi mencionado por Alisabeth Schussler Fiorenza em seu livro publicado em 2001 "Modos de Sabedoria: Intrudozindo feminismo bíblico interpretativo" e no glossário o define como: "Um neologismo derivado das palavras gregas para "senhor" ou "mestre" (kyrios) e "governar ou domirar" (archein) que procura redefinir a categoria analítica do patriarcado em termos de estruturas de cruzamentos multiplos de dominação. Kierarquia é melhor teorizado como um sistema piramidal complexo de interseções de múltiplas estruturas sociais de superordenação e subordinação, de normatização e opressão".


(2) Gostaríamos de fazer a ressalva de que nós, do Não Me Kahlo, não concordamos inteiramente com esse tópico. Optamos por não deixar de publicar todo o texto (que é uma tradução) por conta de somente um item, mas gostaríamos de deixar registrada nossa posição. Podemos abordar essa questão especificamente em outra ocasião, mas não concordamos com a ideia egoísta de que devemos apontar privilégio porque o privilegiado também "sofre" por isso.


Traduzido por Juliana Vianna.

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