Homens e mulheres primitivos eram iguais, dizem cientistas
- Hannah Devlin
- 6 de jul. de 2015
- 4 min de leitura
*Texto originalmente publicado no jornal inglês The Guardian. Estudo mostra que as tribos de caçadores-coletores modernas funcionavam em base igualitária, sugerindo que a desigualdade foi uma anomalia que surgiu com o advento da agricultura

Os autores do estudo argumentam que a igualdade sexual pode ter provado uma vantagem evolucionária das sociedades humanas primitivas, pois teria fomentado uma rede social mais ampla (provavelmente não incluindo a jardinagem).
Fotografia: Everett Collection / Rex Features
Nossos antepassados pré-históricos muitas vezes são retratados como selvagens com lanças, mas, segundo cientistas, as sociedades humanas mais primitivas provavelmente eram fundamentadas em princípios igualitários.
Um estudo mostrou que, nas tribos contemporâneas de caçadores-coletores, os homens e mulheres tendem a exercer a mesma influência sobre o local em que o grupo vive e com quem eles vivem. Essas descobertas desafiam a ideia de que a igualdade sexual é uma invenção recente, sugerindo que ela foi a norma para os humanos durante a maior parte de nossa história revolucionária.
Mark Dyble, um antropólogo que conduziu o estudo na University College London, afirma: “Ainda existe essa percepção mais ampla de que os caçadores-coletores são mais masculinizados ou dominados por homens. Diríamos que a desigualdade surgiu somente com o surgimento da agricultura, quando os povos puderam começar a acumular recursos”.
Dyble diz que as últimas descobertas sugerem que a igualdade entre os sexos pode ter sido uma vantagem de sobrevivência e que ela desempenhou uma função importante na formação da sociedade humana e da evolução. “A igualdade sexual é um importante conjunto de mudanças para a organização social, incluindo coisas como vínculos de casal, nosso grande cérebro social e a linguagem, que diferencia os humanos”, diz ele. “É algo importante que ainda não havia sido destacado.”
O estudo publicado no jornal Science, realizado para analisar o aparente paradoxo que, embora os povos das sociedades de caçadores-coletores demonstrassem fortes preferências pela vida em família, na prática, os grupos em que viviam abrangiam pouquíssimos indivíduos com grau de parentesco.
Os cientistas coletaram, por meio de centenas de entrevistas, dados genealógicos de duas populações de caçadores-coletores, uma no Congo e outra nas Filipinas, incluindo relações de parentesco, movimento entre padrões de campo e de residência. Em ambos os casos, os povos tendem a viver em grupos de aproximadamente 20, mudando mais ou menos a cada 10 dias e subsistindo com caça abatida, pesca, coleta de frutas, vegetais e mel.
Os cientistas construíram um computador modelo para simular o processo de variedade de acampamento, com base no pressuposto de que os povos escolhiam povoar um acampamento vazio com seus parentes próximos: irmãos, pais e filhos.
Quando somente um sexo tinha influência sobre o processo, como normalmente ocorre em sociedades pastorais ou horticulturais dominadas por homens, surgiam núcleos estreitos de indivíduos com parentesco. Porém, prevê-se que a média de indivíduos com parentesco é muito menor quando homens e mulheres exercem influência igual — coincidindo bastante com o que era visto nas populações que foram estudadas.
“Quando somente os homens influenciam sobre quem irão morar, a essência da comunidade é uma densa rede de homens que são parentes próximos com esposas na periferia”, diz Dyble. “Se homens e mulheres decidem, não há grupos de quatro ou cinco irmãos homens morando juntos.”
Os autores argumentam que a igualdade sexual pode ter provado uma vantagem evolucionária das sociedades humanas primitivas, pois teria fomentado uma rede social mais ampla e maior proximidade de cooperação entre indivíduos que não são parentes. “Isso resulta em uma rede social mais expansiva com mais opções de companheiros, então a endogamia não seria problema”, diz Dyble. “E entra-se em contato com mais pessoas e é possível compartilhar inovações, que é algo que os humanos fazem por excelência.”
Dr. Tamas David-Barrett, cientista comportamental da Universidade de Oxford, concordou: “É um resultado muito claro”, afirma. “Se você rastrear sua descendência mais longe, será capaz de ter uma rede muito mais ampla. Só precisaria reunir todos de vez em quando para algum tipo de banquete.”
O estudo sugere somente com o surgimento da agricultura, quando as pessoas conseguiram acumular recursos pela primeira vez, houve um desequilíbrio. “Os homens puderam começar a ter várias mulheres e podiam ter mais filhos do que mulheres”, diz Dyble. “Para os homens, compensa mais acumular recursos e favorecer a formação de alianças com parentes homens.”
Dyble afirma que o igualitarismo pode ter sido um dos fatores importantes que distinguiram nossos ancestrais de nossos primos primatas. “Os chimpanzés têm sociedades bem agressivas e dominadas por machos com hierarquias claras”, diz ele. “Por consequência, eles não veem adultos suficientes ao longo da vida para sustentar suas tecnologias.”
As descobertas aparentemente são sustentadas por observações qualitativas dos grupos de caçadores-coletores no estudo. Nas populações das Filipinas, as mulheres estão envolvidas na caça e na coleta de mel e, embora ainda haja divisão de trabalho, homens e mulheres em geral contribuem com um número semelhante de calorias no acampamento. Nos dois grupos, a monogamia é norma, e os homens atuam no cuidado dos filhos.
Andrea Migliano, da University College London e principal autora do texto, afirma: “A igualdade de sexos sugere um cenário em que características exclusivas dos humanos, como cooperação com indivíduos que não são parentes, poderia ter surgido em nosso passado evolutivo”.
Tradução de Elen Canto.
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