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Mulheres podem ser machistas?

  • por Bruna de Lara
  • 4 de jun. de 2015
  • 3 min de leitura

A princípio, tendemos a responder que sim: quantas vezes não ouvimos nossas amigas, mães ou irmãs dizerem que “mulheres dirigem mal”, “menina tem que se cuidar”, “mulher precisa se dar o respeito” e outras coisas do gênero? Bom, essas são frases evidentemente machistas. Portanto, a pessoa que as profere, independentemente de seu gênero, é machista, não é? Não exatamente. Mas vamos com calma.


Como sabemos, o machismo é um sistema de valores que está entranhado na nossa sociedade e que, infelizmente, está presente na socialização tanto de homens quanto de mulheres. Assim como outras ideias preconceituosas e opressoras, os valores machistas são passados à frente como uma série de fatos naturais e, portanto, indiscutíveis. A mulher é mais cuidadosa, emotiva, maternal, vaidosa.

Desde pequenas somos sujeitadas a esse tipo de discurso que, muitas vezes, acaba funcionando como uma profecia autorrealizável. Não raro ouvimos que a mulher desempenha melhor as tarefas domésticas do que o homem: não é que ele não possa ajudar – inclusive, ele deve –, é só que não leva tanto “jeito” para a coisa:


  • Ué, mas o que identidade de gênero tem a ver com saber cuidar da casa? As mulheres cis nascem com um manual de cuidados domésticos embutido, por acaso? E as mulheres trans? Elas adquirem esse dom automaticamente ao se reconhecerem mulheres? Isso não faz o menor sentido.

  • Nem tudo faz sentido. Mas que as coisas são assim, são. Eu vejo isso no meu dia-a-dia, não adianta contestar. A casa sempre fica melhor arrumada quando a mulher faz as coisas, ela tem mais atenção aos detalhes. O homem até faz, mas não fica igual.

Ora, se uma menina cresce ouvindo que a mulher é naturalmente melhor no desempenho das atividades domésticas enquanto os homens “podem até ajudar, mas não levam jeito para isso”, é de espantar que, quando adulta, ela de fato seja melhor nessas tarefas do que eles? Ela foi criada para isso. Porém, essa diferença de desempenho não nos é apresentada como resultado de um processo de socialização, ou seja, como algo mutável. Pelo contrário, é apresentada como uma predisposição natural e, portanto, inescapável.


A repetição constante dessas supostas regras universais, naturais e impassíveis de mudança – “mocinhas não sentam assim”, “mulher beber é feio”, “isso não é jeito de menina se comportar”– acaba fazendo com que muitas de nós as incorporemos, ainda que sem perceber. E daí passamos a ouvir esse discurso opressor e machista vindo de mulheres – mulheres que são tão vítimas do machismo que elas mesmas destilam quanto aquelas que são obrigadas a ouvir seus discursos.


E é por isso que tomamos o cuidado de dizer que a mulher que repete essas ideias está reproduzindo um discurso machista, e não que ela é machista. Pode parecer uma distinção boba, mas se dizemos que uma mulher é machista, criamos uma equivalência entre seu comportamento e o comportamento de um homem machista – equivalência essa que representa uma falsa simetria. Afinal, o homem machista ainda que inconscientemente se beneficia da opressão que exerce, pois ela garante a manutenção do patriarcado e de todos os privilégios masculinos que ele carrega. Já a mulher que reproduz machismo está apenas propagando um discurso que oprime a ela mesma. Não há benefícios aí.


Por mais que doa ver uma mulher reproduzindo comportamentos misóginos, é importante lembrar que ela não é culpada por essa reprodução. De novo: ela é tão vítima do patriarcado quanto você, e a reprodução de ideias machistas é só mais um reflexo da opressão que sofre e que foi ensinada a aceitar e repassar.


Portanto, ao se deparar com uma mulher reproduzindo algum tipo de discurso machista, aja com sororidade. Por mais difícil que isso possa ser, simplesmente lembre-se de respirar fundo e de repetir para si mesma: a culpa não é dela. Tenha paciência e procure ser pedagógica. A desconstrução do machismo é um processo lento e gradual, pelo qual todas nós ainda estamos passando – até as meninas inseridas no movimento feminista há tempos reproduzem machismo em algum nível, não é mesmo? O pontapé para essa série de desconstruções exige muitas vezes a boa vontade de alguém que já tenha passado por algumas delas – e essa pessoa pode ser você. Essa pode ser a oportunidade perfeita de dividir seu ponto de vista com essa moça e, quem sabe, fazê-la ver as coisas de forma diferente. Lute por ela. Empodere uma, duas, três, várias mulheres. Porém, não as exponha ou humilhe, ainda que elas continuem discordando de você. Você não está aqui para julgá-las. Você está aqui para apoiá-las, ainda que não apoie o discurso que elas reproduzem. Isso é sororidade. Isso também é feminismo.



**A série de posts "FAQ Feminista" aborda as perguntas mais recorrentes de iniciantes no feminismo.

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