top of page

10 anos da conquista (local): a situação do aborto no México

  • Guiet Zuun Ortiz López e Jimena de Garay Hernández
  • 31 de jul. de 2017
  • 6 min de leitura

Créditos da imagem: Punto Género


O México tem uma característica muito peculiar, uma vez que a legislação sobre aborto (assim como a de outros direitos como o casamento entre pessoas do mesmo sexo) é definida por cada entidade federativa (no total são 32: 31 estados e a Cidade do México). Antes de descrever esta situação, é importante destacar que o termo legal é “despenalização”, sendo que ao falar “criminalização” estamos nos referindo ao fato social de estigma e perseguição.


Na maioria das entidades federativas, existem condições para ter acesso ao aborto, incluindo: estupro (especificado no NOM 46, neste caso, a nível nacional, com a modificação de 2016 em que as menores de idade com mais de 12 anos podem ir sem autorização de adulto e a eliminação da autorização de um juiz para aborto em caso de estupro); má-formação do feto; quando a vida da mulher está em perigo; quando o aborto é espontâneo; ou por motivos de saúde (considerando a definição da Organização Mundial de Saúde, isto significaria que a vida da mulher está afetada, não só física, mas psicológica, econômica e socialmente).


Na Cidade do México (atualmente abreviado como CDMX), o aborto até a 12ª semana, por qualquer motivo, inclusive a vontade das mulheres, foi despenalizado em 2007 a partir das reformas ao Código Penal da entidade e as adições à Lei de Saúde local. Antes disso, havia um histórico de décadas de tentativas de reforma, em que grupos feministas impulsionaram eventos de diversos tipos, tais como reuniões com congressos locais, mobilizações e propostas de lei que foram sistematicamente recusadas. Em 2007, aconteceu uma conjuntura na qual uma proposta de reforma criou as possibilidades para discutir a despenalização. Nesse contexto, a Aliança Nacional pelo Direito a Decidir (ANDAR), constituída por várias organizações com importante destaque na área, e o movimento feminista em geral, fizeram uma campanha política, artística e cultural para promover o debate e pressionar a nível legislativo e social. Nas negociações políticas dessa conjuntura, o argumento da saúde das mulheres foi o principal, e as feministas tiveram que ceder, por exemplo, nas metas, que eram maiores do que 12 semanas, e no próprio termo utilizado, passando de “aborto” a “Interrupção Legal da Gravidez” (ILE pelas siglas em espanhol), nome legal outorgado à prática, considerando que o primeiro não seria aceito pela carga moral e pelo estigma que carrega. Até hoje, algumas organizações se posicionam pelo uso da palavra aborto e outras usam ILE corriqueiramente.


No contexto dos 10 anos da reforma, o governo da CDMX, através da Secretaria de Saúde (SEDESA) e do Instituto das Mulheres (INMUJERES CDMX), fez um levantamento com o Sistema de Informação da ILE, informando que de 2007 a 2017, foram realizados 176.355 ILE, das quais 125.276 foram praticadas por mulheres da CDMX, 44.696 por mulheres do Estado do México (vizinho da CDMX), 1.037 por originárias de Puebla (outro estado próximo) e o resto das demais entidades federativas. Do total, 5,6% eram menores de idade; 39,9% terminou o ensino médio; 53,3% eram solteiras; 34,8% se dedicava ao trabalho doméstico; e 34,7% não tinha filhas/os. Além disso, 132.894 ILEs foram realizadas com remédio, 40.178 por aspiração e 3.037 por curetagem uterina. Apenas 1,6% solicitou a ILE na 12ª semana de gravidez.


Na nova constituição da CDMX, que a partir desse ano deixou de ser Distrito Federal, se estipula que “toda pessoa tem o direito a decidir de forma livre, voluntária e informada ter filhos ou não, com quem e o número e intervalo entre eles, de forma segura, sem coação nem violência”. O INMUJERES CDMX tem 16 Unidades de Atenção e um módulo no centro da cidade, onde é oferecida assessoria sobre a ILE acerca dos requisitos, informações sobre as clínicas que oferecem o serviço, o encaminhamento caso a mulher deseje realizar a prática e o acompanhamento à clínica caso ela esteja em situação de vulnerabilidade social. Existem 13 clínicas de Saúde Sexual e Reprodutiva da SEDESA que oferecem o serviço da ILE de maneira “integral, segura, confidencial e gratuita”. Também existem clínicas abertamente feministas como CIPA, que faz abortos legais há 30 anos, inclusive antes da despenalização.


Após essa reforma local, vieram uma série de mudanças em outras entidades, impulsionadas principalmente por grupos de direita e por coalizões de partidos políticos, que penalizaram ainda mais o aborto. Nesses contextos, a população feminina mais afetada é constituída por mulheres que vivem em condição de vulnerabilidade econômica, social e étnica, que não têm acesso a serviços de saúde, que não podem pagar ou que não podem se deslocar à CDMX, tendo que recorrer a serviços ou práticas inseguras (incluindo práticas caseiras inseguras e clínicas clandestinas), o que causa morte e graves consequências para a saúde.


Além disso, nas entidades federativas onde o aborto é penalizado legalmente e em contexto social de criminalização, as mulheres são perseguidas e enfrentam o estigma de não cumprir com o papel histórico-social de ser mãe. Os servidores públicos não conseguem necessariamente realizar a denúncia e dar seguimento ao delito de aborto, já que este é difícil de provar. Quando o processo é instaurado, a acusação é de "homicídio em razão de parentesco", que é mais grave e, portanto, com penas mais severas. Essas mulheres também encaram um estigma no contexto familiar, que muitas vezes é de onde provém a denúncia. No caso das que têm filhos que dependem delas para seu sustento, um processo desse tipo, que chega a casos de privação de liberdade, se desdobra em abandono e precariedade ainda maior.


Em todas as entidades, uma importante barreira para o acesso ao direito é o desconhecimento das causas e procedimentos do aborto. Por exemplo, a razão de risco para a saúde das mulheres, que existe em vários estados e no caso da CDMX é razão para acessar a ILE inclusive depois da 12ª semana, é desconhecida pela maioria das pessoas, incluindo os servidores públicos.


A reforma da CDMX foi muito avançada na América Latina, mas, evidentemente, o simples fato de existir não é suficiente e ainda existem muitas barreiras a romper. Ela teve que ser operacionalizada nos protocolos de atendimento, processo esse que encontrou muitas dificuldades no início. Ainda hoje, há muitos casos de mulheres que vivem violência obstétrica e outros tipos de violência nos serviços públicos. Existe informação disponível, mas ainda hoje chega a acontecer de as mulheres entrarem no site ou ligarem para os serviços e receberem informações incorretas sobre a documentação que devem levar no momento de acessar a prática ou as condições físicas em que devem ir. Já nas instalações, grupos conservadores ficam assediando as mulheres dia e noite do lado de fora das clínicas. Outro fator importante é a capacitação das pessoas que estão nos serviços especializados, pois essas pessoas circulam muito de um local para outro. A mulher pode ser atendida tanto por uma pessoa que já está formada no marco dos Direitos Humanos, quanto por uma pessoa que a maltrata, por exemplo, falando que depois da 12ª semana não é possível fazer nada, informação que, como já mencionamos, não é verdadeira. Isso acontece em um contexto nacional com um histórico fortemente católico e com uma crescente presença de grupos evangélicos, o que impede a garantia da laicidade nos serviços públicos, mesmo que o governo os ofereça. Este não tem um posicionamento em frente a essas situações, o que faz com que descumpra a garantia do direito das mulheres.


Diante desse contexto, existem muitas redes organizadas ao longo do México, incluindo fundos (por exemplo, Fondo Maria, Las Libres), organizações, coalizões, redes de acompanhantes, linhas telefônicas de acompanhantes, que realizam importantes esforços para gerar conexões entre as mulheres que buscam abortos seguros e possibilitando sua realização. Algumas dessas redes apoiam mulheres de fora da CDMX para irem até lá e terem acesso ao direito, especialmente mulheres de comunidades empobrecidas e/ou indígenas, oferecendo ajuda psicológica, jurídica e logística.


Nesse quadro, os abortos continuam acontecendo em todas as entidades, independentemente da (des)penalização, mas é nos casos em que ele é despenalizado que é possível caminhar no sentido da garantia da saúde e da vida das mulheres. Mais suporte nos serviços públicos, incluindo a sua laicidade e sensibilidade no que tange aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, é necessário. Para conseguirmos pensar futuramente em um mundo onde as mulheres não precisem recorrer a essa medida, é imprescindível resgatar a importância da educação sexual integral, que inclui como tema principal a não violência contra as mulheres. Como expressa a relevante frase feminista: “educación sexual para decidir, anticonceptivos para no abortar, aborto legal para no morir”.

Komentar


Comentários

leia também:

bottom of page